15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

5. Os Insensatos<br />

As duas grandes formas de experiência <strong>da</strong> lou cura que se<br />

justapõem no decorrer <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de <strong>clássica</strong> têm ca<strong>da</strong> uma seu índice<br />

cronológico. Não no sentido de que uma seri a uma experi ência<br />

elabora<strong>da</strong> e a outra uma espécie de consciência rude e mal<br />

formula<strong>da</strong>; elas se articulam claramente numa prática<br />

coerente, mas uma foi her<strong>da</strong><strong>da</strong>, e foi sem dúvi<strong>da</strong> um dos <strong>da</strong>dos<br />

mais fun<strong>da</strong>mentais do desatino ocidental, e a outra — e é esta<br />

que se deve exami<strong>na</strong>r agora — é uma criação própria do mundo<br />

clássico.<br />

Apesar do prazer reconfortante que podem ter os historiadores<br />

<strong>da</strong> medici<strong>na</strong> ao reconhecer no grande livro do inter<strong>na</strong>mento o<br />

rosto familiar, e para eles eterno, <strong>da</strong>s psicoses aluci<strong>na</strong>tórias, <strong>da</strong>s'<br />

deficiências intelectuais e <strong>da</strong>s evoluções orgânicas ou dos estados<br />

paranóicos, não é possível dividir sobre uma superfície nosográfica<br />

coerente as fórmulas em nome <strong>da</strong>s quais os insanos foram<br />

presos. De fato, as fórmulas de inter<strong>na</strong>mento não pressagiam<br />

nossas doenças; elas desig<strong>na</strong>m uma experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que<br />

nossas análises patológicas podem atravessar sem nunca levá-la<br />

em conta <strong>na</strong> sua totali<strong>da</strong>de. Ao acaso, eis alguns inter<strong>na</strong>dos<br />

por "desordem do espírito", a respeito dos quais se podem<br />

encontrar menções nos registros: "deman<strong>da</strong>nte obsti<strong>na</strong>do",<br />

"homem mais processado", "homem muito mau e chicaneiro",<br />

"homem que passa os dias e as noites a atordoar os outros com<br />

suas canções e a proferir as blasfêmias mais horríveis",<br />

"pregador de cartazes", "grande mentiroso", "espírito inquieto, triste<br />

e ríspido". Inútil perguntar se se trata de doentes, e até que ponto.<br />

Deixemos ao psiquiatra o trabalho de reconhecer que o "ríspido" é um<br />

paranóico ou de diagnosticar uma bela neurose obsessiva nesse<br />

"espírito desorde<strong>na</strong>do que elabora uma devoção a seu gosto". O que<br />

é desig<strong>na</strong>do nessas fórmulas não são doenças, mas formas de <strong>loucura</strong><br />

que seriam percebi<strong>da</strong>s como o extremo de defeitos. Como se, no<br />

inter<strong>na</strong>mento, a sensibili<strong>da</strong>de à <strong>loucura</strong> não fosse autônoma, mas<br />

liga<strong>da</strong> a uma certa ordem moral onde ela só aparece a título de<br />

perturbação. Lendo-se to<strong>da</strong>s essas menções que, nos registros, são<br />

coloca<strong>da</strong>s diante do nome dos insanos, tem-se a impressão de que se<br />

151

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!