15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

aquela que não pode nem mesmo depender <strong>da</strong> justiça. Quando se<br />

fala de Pinel e de sua obra de libertação, muito freqüentemente se<br />

omite essa segun<strong>da</strong> reclusão. Já vimos que ele recusava o benefício<br />

<strong>da</strong> reforma asilar aos<br />

devotos que se acreditavam inspirados, que procuravam incessantemente<br />

fazer outros prosélitos e sentiam um prazer pérfido em excitar os outros<br />

alie<strong>na</strong>dos à desobediência sob o pretexto de que mais vale obedecer a<br />

Deus que aos homens.<br />

Mas a reclusão e a cela serão igualmente obrigatórias para<br />

aquelas que não conseguem dobrar-se à lei geral do trabalho e que,<br />

sempre numa ativi<strong>da</strong>de malévola, comprazem-se em irritar as outras<br />

alie<strong>na</strong><strong>da</strong>s, provocando-as, excitando-as continuamente com assuntos de<br />

discórdia<br />

e para as mulheres<br />

que durante seus acessos têm uma propensão irresistível para roubar o<br />

que lhes cai <strong>na</strong>s mãos 67 .<br />

Desobediência por fa<strong>na</strong>tismo religioso, resistência ao trabalho e<br />

roubo: as três grandes faltas contra a socie<strong>da</strong>de burguesa, os três<br />

atentados maiores contra seus valores essenciais não são<br />

desculpáveis nem mesmo pela <strong>loucura</strong>; merecem a prisão pura e<br />

simples, a exclusão em tudo aquilo que ela pode ter de rigoroso, pois<br />

manifestam todos a mesma resistência à uniformização moral e<br />

social, que constitui a razão de ser do asilo tal como Pinel o concebe.<br />

Outrora, o desatino era colocado fora do julgamento para ser<br />

entregue, <strong>na</strong> arbitrarie<strong>da</strong>de, aos poderes <strong>da</strong> razão.<br />

Agora ele é julgado: e não ape<strong>na</strong>s uma vez, <strong>na</strong> entra<strong>da</strong> do asilo,<br />

de maneira a ser reconhecido, classificado e inocentado para sempre.<br />

Pelo contrário, é aprisio<strong>na</strong>do num julgamento eterno que não pára de<br />

persegui-lo e de aplicar contra ele suas sanções, de proclamar suas<br />

faltas e por elas exigir uma multa, de excluir enfim aqueles cujas<br />

faltas implicam o risco de comprometer por muito tempo a boa ordem<br />

social. A <strong>loucura</strong> só escapou ao arbitrário para entrar numa espécie<br />

de processo indefinido para o qual o asilo fornece ao mesmo tempo<br />

policiais, promotores, juízes e carrascos. Um processo onde to<strong>da</strong> falta<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, por uma virtude própria à existência asilar, tor<strong>na</strong>-se crime<br />

social, vigiado, conde<strong>na</strong>do e castigado; um processo cuja única saí<strong>da</strong><br />

67 Idem, p. 291, nota 1.<br />

546

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!