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A história da loucura na idade clássica

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puramente mecânicos e psicológicos. A cura não se rege mais pela<br />

presença do ver<strong>da</strong>deiro, mas por uma norma de funcio<strong>na</strong>mento.<br />

Nessa reinterpretação do velho método, o organismo não é mais<br />

posto num relacio<strong>na</strong>mento consigo mesmo e com sua <strong>na</strong>tureza<br />

própria, enquanto <strong>na</strong> versão inicial o que devia ser restituído era seu<br />

relacio<strong>na</strong>mento com o mundo, sua ligação essencial com o ser e com<br />

a ver<strong>da</strong>de: se acrescentarmos que desde então a máqui<strong>na</strong> giratória<br />

foi utiliza<strong>da</strong> a título de ameaça e punição 71 , percebe-se como se<br />

tor<strong>na</strong>ram menores as pesa<strong>da</strong>s significações dos métodos terapêuticos<br />

ao longo <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong>. Contenta-se com regulamentar e punir, com<br />

os meios que antes haviam servido para conjurar a falta, para<br />

dissipar o erro <strong>na</strong> restituição <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> à deslumbrante ver<strong>da</strong>de do<br />

mundo.<br />

Em 1771, Bienville escrevia a respeito <strong>da</strong> ninfomania que há<br />

ocasiões em que se pode curá-la<br />

contentando-se com tratar <strong>da</strong> imagi<strong>na</strong>ção; mas não há ou quase não<br />

existem remédios físicos que possam efetuar uma cura radical 72 .<br />

E, pouco depois, Beauchesne:<br />

inútil tentar curar alguém atacado pela <strong>loucura</strong> ape<strong>na</strong>s através de meios<br />

físicos... Os remédios materiais nunca serão bem sucedidos sem o auxílio<br />

que o espírito justo e sadio pode <strong>da</strong>r ao espírito fraco e doentio 73 .<br />

Esses textos não descobrem a necessi<strong>da</strong>de de um tratamento<br />

psicológico; antes assi<strong>na</strong>lam o fim de uma época: aquela onde a<br />

diferença entre medicamentos físicos e tratamentos morais ain<strong>da</strong> não<br />

era senti<strong>da</strong> como uma evidência pelo pensamento médico. A uni<strong>da</strong>de<br />

dos símbolos começa a desfazer-se, e as técnicas se isolam de sua<br />

significação global. A única eficácia que lhes é atribuí<strong>da</strong> é de ordem<br />

regio<strong>na</strong>l — sobre o corpo ou sobre a alma. A cura novamente mu<strong>da</strong><br />

de sentido: ela não é mais trazi<strong>da</strong> pela uni<strong>da</strong>de significativa <strong>da</strong><br />

doença, agrupa<strong>da</strong> ao redor de suas quali<strong>da</strong>des maiores mas, aos<br />

poucos, deve dirigir-se aos diversos elementos que a compõem;<br />

constituirá uma seqüência de destruições parciais, <strong>na</strong> qual o ataque<br />

psicológico e a intervenção física se justapõem, adicio<strong>na</strong>m-se mas<br />

71 Cf. ESQUIROL, Dos maladies mentaie:, II, p. 225.<br />

72 BIENVILLE, De ia nymphomanie, p. 136.<br />

73 BEAUCHESNE, De l'influence des affections de l'àme, pp. 28-29.<br />

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