15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

próprios excessos de suas riquezas qualitativas: fria, ela pode<br />

esquentar; quente, ela refresca. Ao invés de umedecer, é mesmo<br />

capaz de solidificar, petrificar pelo frio ou alimentar um fogo por seu<br />

próprio calor. Todos os valores benfazejos e malfazejos cruzam-se<br />

indiferentemente nela. É dota<strong>da</strong> de to<strong>da</strong>s as cumplici<strong>da</strong>des possíveis.<br />

No pensamento médico, ela forma um tema terapêutico flexível e<br />

utilizável à vontade, cujos efeitos podem ser encaixados <strong>na</strong>s<br />

fisiologias e patologias mais diversas. Tem tantos valores, tantos<br />

modos de atuação diversos, que pode tudo confirmar ou infirmar. É<br />

sem dúvi<strong>da</strong> essa mesma polivalência, com to<strong>da</strong>s as discussões que<br />

pode fazer <strong>na</strong>scer, que acabou por neutralizá-la. Na época de Pinel,<br />

ain<strong>da</strong> se pratica a água, mas uma água que se tornou inteiramente<br />

límpi<strong>da</strong>, água <strong>da</strong> qual to<strong>da</strong>s as sobrecargas qualitativas foram<br />

elimi<strong>na</strong><strong>da</strong>s e cujo modo de ação só pode ser, doravante, mecânico.<br />

A ducha, até então menos utiliza<strong>da</strong> que os banhos e as bebi<strong>da</strong>s,<br />

nesse momento se tor<strong>na</strong> técnica privilegia<strong>da</strong>. E, paradoxalmente, a<br />

água reencontra, além de to<strong>da</strong>s suas variações fisiológicas <strong>da</strong> época<br />

anterior, sua função simples de purificação. A única quali<strong>da</strong>de de que<br />

é encarrega<strong>da</strong> é a violência; deve arrastar num fluxo irresistível to<strong>da</strong>s<br />

as impurezas que constituem a <strong>loucura</strong>; através de sua própria força<br />

curativa, deve reduzir o indivíduo à sua mais simples expressão<br />

possível, à sua menor e mais pura forma de existência,<br />

possibilitando-lhe assim um segundo <strong>na</strong>scimento. Trata-se, explica<br />

Pinel,<br />

de destruir até os traços primitivos <strong>da</strong>s idéias extravagantes dos<br />

alie<strong>na</strong>dos, o que só poderia acontecer obliterando-se, por assim dizer,<br />

essas idéias num estado vizinho <strong>da</strong> morte 61 .<br />

Donde as famosas técnicas utiliza<strong>da</strong>s em asilos como Charenton,<br />

ao fi<strong>na</strong>l do século XVIII e começo do XIX: a ducha propriamente dita<br />

—<br />

o alie<strong>na</strong>do fixo numa cadeira era colocado embaixo de um reservatório<br />

cheio de água fria que era derrama<strong>da</strong> diretamente sobre sua cabeça<br />

através de um tubo largo.<br />

E os banhos de surpresa —<br />

o doente descia pelos corredores até o térreo, e chegava numa sala<br />

quadra<strong>da</strong>, aboba<strong>da</strong><strong>da</strong>, <strong>na</strong> qual tinha se construído uma banheira;<br />

empurravam-no por trás para jogá-lo <strong>na</strong> água 62 .<br />

61 PINEL, Traité médico-philosophique, p. 324.<br />

352

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!