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A história da loucura na idade clássica

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homem para a ver<strong>da</strong>de. Deste modo se abre a possibili<strong>da</strong>de de<br />

delimitar a razão <strong>na</strong>s formas de um determinismo <strong>na</strong>tural. Mas não<br />

se deve esquecer que essa possibili<strong>da</strong>de assumiu seu sentido inicial<br />

numa conde<strong>na</strong>ção ética <strong>da</strong> liberti<strong>na</strong>gem e nessa estranha evolução<br />

que fez de uma certa liber<strong>da</strong>de do pensamento um modelo, uma<br />

primeira experiência <strong>da</strong> alie<strong>na</strong>ção do espírito.<br />

Estranha superfície, a que comporta as medi<strong>da</strong>s de<br />

inter<strong>na</strong>mento. Doentes venéreos, devassos, dissipadores,<br />

homossexuais, blasfemadores, alquimistas, libertinos: to<strong>da</strong> uma<br />

população matiza<strong>da</strong> se vê repenti<strong>na</strong>mente, <strong>na</strong> segun<strong>da</strong> metade do<br />

século XVII, rejeita<strong>da</strong> para além de uma linha de divisão, e reclusa<br />

em asilos que se tor<strong>na</strong>rão, em um ou dois séculos, os campos<br />

fechados <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Bruscamente, um espaço social se abre e se<br />

delimita: não é exatamente o <strong>da</strong> miséria, embora tenha <strong>na</strong>scido <strong>da</strong><br />

grande inquietação com a pobreza. Nem exatamente o <strong>da</strong> doença, e<br />

no entanto será um dia por ela confiscado. Remete-nos, antes, a uma<br />

singular sensibili<strong>da</strong>de, própria <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong>. Não se trata de um<br />

gesto negativo de "pôr de lado", mas de todo um conjunto de<br />

operações que elaboram em surdi<strong>na</strong>, durante um século e meio, o<br />

domínio <strong>da</strong> experiência onde a <strong>loucura</strong> irá reconhecer-se, antes de<br />

apossar-se dele.<br />

O inter<strong>na</strong>mento não tem nenhuma uni<strong>da</strong>de institucio<strong>na</strong>l além<br />

<strong>da</strong>quela que lhe pode conferir seu caráter de "polícia". Está claro que<br />

não tem mais nenhuma coerência médica, psicológica ou psiquiátrica<br />

— se pelo menos consentimos em encará-lo sem a<strong>na</strong>cronismos. E no<br />

entanto o inter<strong>na</strong>mento só pode identificar-se com o arbitrário aos<br />

olhos de uma crítica política. De fato, to<strong>da</strong>s essas operações diversas<br />

que deslocam os limites <strong>da</strong> morali<strong>da</strong>de, estabelecem novas<br />

proibições, atenuam as conde<strong>na</strong>ções ou diminuem os limites do<br />

escân<strong>da</strong>lo, to<strong>da</strong>s essas operações sem dúvi<strong>da</strong> são fiéis a uma<br />

coerência implícita: uma coerência que não é nem a de um direito<br />

nem a de uma ciência, mas sim a coerência mais secreta de uma<br />

percepção. Aquilo que o inter<strong>na</strong>mento e suas práticas móveis<br />

desenham, como em pontilhado, <strong>na</strong> superfície <strong>da</strong>s instituições, é<br />

aquilo que a era <strong>clássica</strong> percebe <strong>da</strong> insani<strong>da</strong>de. A I<strong>da</strong>de Média e a<br />

Re<strong>na</strong>scença tinham sentido, em todos os pontos frágeis do mundo, a<br />

ameaça do desatino; tinham-<strong>na</strong> temido e invocado sob a delga<strong>da</strong><br />

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