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A história da loucura na idade clássica

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7. A Transcendência do Delírio<br />

"Chamamos de <strong>loucura</strong> essa doença dos órgãos do cérebro ..." 1<br />

Os problemas <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> giram ao redor <strong>da</strong> materiali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma.<br />

Nesse mal que as nosologias descrevem tão facilmente como<br />

doença, de que modo a alma se vê posta em questão: como um<br />

segmento do corpo atacado pela doença, em pé de igual<strong>da</strong>de com<br />

qualquer outro? Como uma sensibili<strong>da</strong>de geral liga<strong>da</strong> ao conjunto do<br />

organismo e como ele perturba<strong>da</strong>? Como um princípio independente,<br />

espiritual, ao qual só escapariam seus instrumentos transitórios e<br />

materiais?<br />

Questões de filósofos com as quais se encanta o século XVIII;<br />

questões indefini<strong>da</strong>mente reversíveis, cujas respostas multiplicam a<br />

ambigüi<strong>da</strong>de.<br />

Há, de início, todo o peso de uma tradição: tradição de teólogos<br />

e casuístas, tradição também de juristas e de juízes. Contanto que<br />

manifeste alguns dos signos exteriores <strong>da</strong> penitência, um louco pode<br />

ser ouvido em confissão e receber a absolvição; mesmo quando tudo<br />

indicaria que ele está fora de seus sentidos, tem-se o direito e o<br />

dever de supor que o Espírito iluminou sua alma através de caminhos<br />

que não são nem sensíveis nem materiais — caminhos "dos quais<br />

Deus se serve às vezes, a saber, o ministério dos Anjos, ou então<br />

uma inspiração imediata" 2 . Aliás, estava ele em estado de graça<br />

quando se tornou demente? Sem dúvi<strong>da</strong> nenhuma, o louco será<br />

salvo, seja o que for que tenha feito durante sua <strong>loucura</strong>: sua alma<br />

esteve afasta<strong>da</strong> durante esse tempo, protegi<strong>da</strong> <strong>da</strong> doença e<br />

preserva<strong>da</strong>, pela própria doença, do mal. A alma não está<br />

suficientemente comprometi<strong>da</strong> <strong>na</strong> <strong>loucura</strong> para pecar nela.<br />

E os juízes não contrariam essa opinião, quando não consideram<br />

crime o gesto de um louco, quando decidem sobre a curatela<br />

pressupondo sempre que a <strong>loucura</strong> é ape<strong>na</strong>s um impedimento<br />

provisório, no qual a alma não é atingi<strong>da</strong>, tal como é inexistente ou<br />

1 VOLTAIRE, Diction<strong>na</strong>ire philosophique, verbete «Loucura», Ben<strong>da</strong>, I, P. 285.<br />

2 SAINT-BEUVE, Résalution de quelques cas de consciente, Paris, 1689. I, p. 65. ,É<br />

esta a regra que se aplica também aos surdos-mudos.<br />

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