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A história da loucura na idade clássica

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jurídica e tenha gozado <strong>da</strong>s prerrogativas de um tribu<strong>na</strong>l a respeito<br />

<strong>da</strong> conduta inconveniente <strong>da</strong>s desordens e <strong>da</strong>s diferentes formas de<br />

incapaci<strong>da</strong>de e <strong>loucura</strong>. Durante certo tempo, ela surgiu à luz do dia<br />

tal como se tinha transformado e <strong>na</strong>quilo que iria continuar a ser de<br />

um modo obscuro: a instância imediata que efetua a divisão entre<br />

razão e <strong>loucura</strong> — essa forma judiciária frustra<strong>da</strong> que assimila as<br />

regras <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong> economia e <strong>da</strong> moral familiar às normas <strong>da</strong> saúde,<br />

<strong>da</strong> razão e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Na família, considera<strong>da</strong> como instituição e<br />

defini<strong>da</strong> como tribu<strong>na</strong>l, a lei não-escrita assume uma significação de<br />

<strong>na</strong>tureza e ao mesmo tempo o homem privado recebe o estatuto de<br />

juiz, trazendo para o domínio do debate público seu diálogo cotidiano<br />

com o desatino. Há doravante uma ascendência pública e institucio<strong>na</strong>l<br />

<strong>da</strong> consciência priva<strong>da</strong> sobre a <strong>loucura</strong>.<br />

Muitas outras transformações desig<strong>na</strong>m essa nova ascendência,<br />

de modo bem evidente. Sobretudo as modificações introduzi<strong>da</strong>s <strong>na</strong><br />

<strong>na</strong>tureza <strong>da</strong>s pe<strong>na</strong>s. As vezes, como vimos 40 , o inter<strong>na</strong>mento<br />

constituía uma atenuação dos castigos; mais freqüentemente ain<strong>da</strong>,<br />

ele procurava pôr de lado a monstruosi<strong>da</strong>de do crime, quando a pe<strong>na</strong><br />

revelava um excesso, uma violência que revelasse uma espécie de<br />

poder inumano 41 . O inter<strong>na</strong>mento traçava o limite a partir do qual o<br />

escân<strong>da</strong>lo se tor<strong>na</strong> i<strong>na</strong>ceitável. Para a consciência burguesa, pelo<br />

contrário, o escân<strong>da</strong>lo se tor<strong>na</strong> um dos instrumentos do exercício de<br />

sua soberania. É que, em seu poder absoluto, ela não é somente juiz,<br />

mas ao mesmo tempo, e por si mesma, castigo. "Conhecer", cujo<br />

direito ela assume agora, não significa ape<strong>na</strong>s instruir e julgar, mas<br />

também tor<strong>na</strong>r público e manifestar de maneira evidente a seus<br />

próprios olhos uma falta que terá sua punição. Nela devem efetuar-se<br />

o julgamento e a execução <strong>da</strong> sentença, bem como a salvação,<br />

através do ato único, ideal e instantâneo, do olhar. O conhecimento<br />

assume, no jogo organizado do escân<strong>da</strong>lo, a totali<strong>da</strong>de do<br />

julgamento.<br />

Em sua Théorie des bois criminelles, Brissot mostra que o<br />

escân<strong>da</strong>lo constitui o castigo ideal sempre proporcio<strong>na</strong>do à falta, livre<br />

de todo estigma físico e imediatamente adequado às exigências <strong>da</strong><br />

consciência moral. Ele retoma a velha distinção entre o pecado,<br />

infração à ordem divi<strong>na</strong>, cujo castigo é reservado a Deus, o crime,<br />

40 Cf. supra, Parte I Cap. 4.<br />

41 Idem, ibidem, Parte I, Cap. 5.<br />

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