15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Essa noção é elabora<strong>da</strong> — o que, para nós, é paradoxal —<br />

quando o homem parece insuficientemente mantido pelas coações<br />

sociais, quando ele parece flutuar num tempo que não mais o<br />

constrange, enfim quando ele se afasta demais do ver<strong>da</strong>deiro e do<br />

sensível. Tor<strong>na</strong>m-se "forças penetrantes" uma socie<strong>da</strong>de que não<br />

mais reprime os desejos, uma religião que não mais regula o tempo e<br />

a imagi<strong>na</strong>ção, uma civilização que não mais limita os desvios do<br />

pensamento e <strong>da</strong> sensibili<strong>da</strong>de.<br />

1. A <strong>loucura</strong> e a liber<strong>da</strong>de. Durante muito tempo, certas formas<br />

de melancolia foram considera<strong>da</strong>s como especificamente inglesas:<br />

isso era um <strong>da</strong>do médico 26 e também uma constante literária.<br />

Montesquieu opunha o suicídio romano, comportamento moral e<br />

político, efeito desejado de uma educação orde<strong>na</strong><strong>da</strong>, ao suicídio<br />

inglês, que deve ser considerado como uma doença, uma vez que "os<br />

ingleses se matam sem que se possa imagi<strong>na</strong>r razão alguma para<br />

esse ato; matam-se no próprio seio <strong>da</strong> felici<strong>da</strong>de" 27 . É aqui que o<br />

meio tem um papel, pois se no século XVIII a felici<strong>da</strong>de provém <strong>da</strong><br />

ordem <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza e <strong>da</strong> razão, a infelici<strong>da</strong>de, ou pelo menos aquilo<br />

que se subtrai sem razão à felici<strong>da</strong>de, deve ser de uma outra ordem.<br />

Esta ordem é procura<strong>da</strong> inicialmente nos excessos do clima, nesse<br />

desvio <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza com relação a seu equilíbrio e a seu feliz<br />

comedimento (os climas temperados são <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza; as<br />

temperaturas excessivas são produto do meio). Mas isso não basta<br />

para explicar a doença inglesa. O próprio Cheyne acredita que a<br />

riqueza, a alimentação fi<strong>na</strong>, a abundância de que se beneficiam todos<br />

os habitantes, a vi<strong>da</strong> de lazeres e preguiçosa que leva a socie<strong>da</strong>de<br />

mais rica 28 estão <strong>na</strong> origem dessas perturbações nervosas. Ca<strong>da</strong> vez<br />

mais se tende para uma explicação econômica e política <strong>na</strong> qual a<br />

riqueza, o progresso, as instituições, surgem como o elemento<br />

determi<strong>na</strong>nte <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. No começo do século XIX, Spurzheim fará a<br />

síntese entre to<strong>da</strong>s essas análises num dos últimos textos que lhes é<br />

desti<strong>na</strong>do. A <strong>loucura</strong>, "mais freqüente <strong>na</strong> Inglaterra do que em<br />

qualquer outro lugar", é ape<strong>na</strong>s o preço <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de que ali rei<strong>na</strong>, e<br />

<strong>da</strong> riqueza presente em to<strong>da</strong> parte. A liber<strong>da</strong>de de consciência<br />

comporta mais perigos do que a autori<strong>da</strong>de e o despotismo.<br />

26 SAUVAGES fala de «Melancolia anglica ou toedium vitae», loca cit., VII, p. 366.<br />

27 MONTESQUIEU, loc. cit. Parte III, Livro XIV, Cap. XII, Pléiade, II, PP. 485-486.<br />

28 CHEYNE, The English Malady, Londres, 1733.<br />

400

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!