15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Contrato e família, interesses atendidos e afeição <strong>na</strong>tural — o<br />

Retiro encerra, confundindo-os, os dois grandes mitos com os quais o<br />

século XVIII havia procurado definir a origem <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des e a<br />

ver<strong>da</strong>de do homem social. Ele é ao mesmo tempo o interesse<br />

individual que renuncia a si mesmo para se reencontrar e a afeição<br />

espontânea que a <strong>na</strong>tureza faz surgir nos membros de uma família,<br />

propondo assim uma espécie de modelo afetivo e imediato para to<strong>da</strong><br />

a socie<strong>da</strong>de. No Retiro, um grupo humano é reconduzido a suas<br />

formas mais originárias e mais puras: trata-se de recolocar o homem<br />

em relações sociais elementares e absolutamente conformes à sua<br />

origem; o que significa que essas relações devem ser ao mesmo<br />

tempo, rigorosamente estabeleci<strong>da</strong>s e rigorosamente morais. Desse<br />

modo o doente será levado a esse ponto em que a socie<strong>da</strong>de acaba<br />

de surgir <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza, e onde ela se realiza numa ver<strong>da</strong>de imediata<br />

que to<strong>da</strong> a <strong>história</strong> dos homens contribuiu, em segui<strong>da</strong>, para<br />

embaralhar. Supõe-se que então desaparecerá do espírito alie<strong>na</strong>do<br />

tudo aquilo que a socie<strong>da</strong>de atual pôde nele depositar de artifícios,<br />

perturbações inúteis, liames e obrigações estranhas à <strong>na</strong>tureza.<br />

Tais são os poderes míticos do Retiro: poderes que domi<strong>na</strong>m o<br />

tempo, contestam a <strong>história</strong>, reconduzem o homem para suas<br />

ver<strong>da</strong>des essenciais, identificando-o no imemorial com o Primeiro<br />

Homem <strong>na</strong>tural e com o Primeiro Homem social. To<strong>da</strong>s as distâncias<br />

que o separavam desse ser primitivo foram apaga<strong>da</strong>s, e tantas<br />

saliências, poli<strong>da</strong>s; e ao fi<strong>na</strong>l desse "retiro", sob a alie<strong>na</strong>ção<br />

reaparece fi<strong>na</strong>lmente o i<strong>na</strong>lienável, que é <strong>na</strong>tureza, ver<strong>da</strong>de, razão e<br />

pura morali<strong>da</strong>de social. A obra de Tuke parecia conduzi<strong>da</strong> e explica<strong>da</strong><br />

por um longo movimento de reforma que a havia precedido; e, com<br />

efeito, ela o era; mas o que fez dela ao mesmo tempo uma ruptura e<br />

uma iniciação é to<strong>da</strong> a paisagem mítica que a cercava desde seu<br />

<strong>na</strong>scimento, e que ela conseguiu inserir no velho mundo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> e<br />

do inter<strong>na</strong>mento. E, com isso, a separação linear que o inter<strong>na</strong>mento<br />

efetuava entre razão e desatino, sobre o modo simples <strong>da</strong> decisão, foi<br />

substituí<strong>da</strong> por uma dialética, que inicia seu movimento no espaço do<br />

mito assim constituído. Nessa dialética, a <strong>loucura</strong> tor<strong>na</strong>-se alie<strong>na</strong>ção,<br />

e sua cura, um retorno ao i<strong>na</strong>lienável; mas o essencial é um certo<br />

poder que pela primeira vez o inter<strong>na</strong>mento recebe, pelo menos tal<br />

como é imagi<strong>na</strong>do pelos fun<strong>da</strong>dores do Retiro; graças a esse poder,<br />

no momento em que a <strong>loucura</strong> se revela como alie<strong>na</strong>ção, e através<br />

dessa mesma descoberta, o homem é levado de volta para o<br />

517

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!