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A história da loucura na idade clássica

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entre paixão e <strong>loucura</strong> um relacio<strong>na</strong>mento que não é <strong>da</strong> ordem do<br />

voto pio, de uma ameaça pe<strong>da</strong>gógica ou de uma síntese moral; ela<br />

rompe, mesmo, com a tradição <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que inverte os termos<br />

do encadeamento; fun<strong>da</strong>menta as quimeras <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> <strong>na</strong> <strong>na</strong>tureza<br />

<strong>da</strong> paixão; vê que o determinismo <strong>da</strong>s paixões não passa de uma<br />

liber<strong>da</strong>de ofereci<strong>da</strong> à <strong>loucura</strong> para penetrar no mundo <strong>da</strong> razão; e<br />

que se a união, não posta em questão, entre a alma e o corpo,<br />

manifesta <strong>na</strong> paixão a finitude do homem, ela ao mesmo tempo abre<br />

esse mesmo homem para o movimento infinito que o perde.<br />

Ocorre que a <strong>loucura</strong> não é simplesmente uma <strong>da</strong>s possibili<strong>da</strong>des<br />

<strong>da</strong><strong>da</strong>s pela união <strong>da</strong> alma e do corpo; ela não é, pura e<br />

simplesmente, uma <strong>da</strong>s seqüelas <strong>da</strong> paixão. Instituí<strong>da</strong> pela uni<strong>da</strong>de<br />

entre alma e corpo, ela se volta contra a paixão e a recoloca em<br />

questão. A <strong>loucura</strong>, que se tornou possível pela paixão, ameaça, por<br />

um movimento que lhe é próprio, aquilo que tornou possível a própria<br />

paixão. Ela é uma dessas formas <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de <strong>na</strong>s quais as leis são<br />

comprometi<strong>da</strong>s, perverti<strong>da</strong>s, transforma<strong>da</strong>s — manifestando assim<br />

essa uni<strong>da</strong>de como evidente e já <strong>da</strong><strong>da</strong>, mas também como frágil e já<br />

desti<strong>na</strong><strong>da</strong> à perdição.<br />

Chega o momento em que, continuando a paixão o seu caminho,<br />

as leis se suspendem como que por si mesmas, momento no qual o<br />

movimento se detém bruscamente sem que tenha havido choques,<br />

nem absorção de espécie alguma <strong>da</strong> força viva — ou então se<br />

propaga numa multiplicação que só se detém no cúmulo do<br />

paroxismo. Whytt admite que uma viva emoção pode provocar a<br />

<strong>loucura</strong>, exatamente como o choque pode provocar o movimento,<br />

pela simples razão de que a emoção é, simultaneamente, choque <strong>na</strong><br />

alma e abalo <strong>da</strong> fibra nervosa:<br />

E assim que as <strong>história</strong>s, ou as <strong>na</strong>rrações tristes ou capazes de emocio<strong>na</strong>r<br />

o coração, um espetáculo horrível pelo qual não se espera, o grande<br />

desgosto, a cólera, o terror e as outras paixões que causam grande<br />

impressão ocasio<strong>na</strong>m freqüentemente os sintomas nervosos mais súbitos<br />

e violentos 43 .<br />

Mas — e é aí que começa a <strong>loucura</strong> propriamente dita — pode<br />

acontecer que, esse movimento se anule em virtude de seus próprios<br />

excessos e provoque de repente uma imobili<strong>da</strong>de que pode levar à<br />

morte. Como se, <strong>na</strong> mecânica <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, o repouso não fosse<br />

43 WHYTT, Traité dei maladies nerveuses, II, pp. 288-289.<br />

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