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A história da loucura na idade clássica

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famosos "tratamentos morais" que fazem do inter<strong>na</strong>mento o meio<br />

maior <strong>da</strong> submissão e <strong>da</strong> repressão (Guislain e Leuret).<br />

Deixemos para um estudo ulterior a exploração detalha<strong>da</strong> dessas<br />

antinomias; ele só poderia realizar-se no inventário meticuloso do<br />

que foi, no século XIX, a experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> em sua totali<strong>da</strong>de,<br />

isto é, no conjunto de suas formas cientificamente explicita<strong>da</strong>s e de<br />

seus aspectos silenciosos. Sem dúvi<strong>da</strong>, semelhante análise mostraria<br />

sem dificul<strong>da</strong>de que esse sistema de contradições se refere a uma<br />

coerência oculta; que essa coerência é a de um pensamento<br />

antropológico que corre e se mantém sob a diversi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

formulações científicas; que ela é o fundo constitutivo, mas<br />

historicamente móvel, que tornou possível o desenvolvimento dos<br />

conceitos, desde Esquirol e Broussais até Janet, Bleuler e Freud; e<br />

que essa estrutura antropológica de três termos — o homem, sua<br />

<strong>loucura</strong> e sua ver<strong>da</strong>de — substituiu a estrutura binária do desatino<br />

clássico (ver<strong>da</strong>de e erro, mundo e fantasma, ser e não-ser, Dia e<br />

Noite).<br />

No momento, trata-se ape<strong>na</strong>s de manter essa estrutura no<br />

horizonte ain<strong>da</strong> mal diferenciado onde ela aparece, de apreendê-la<br />

em alguns exemplos de doenças que revelam o que pode ter sido a<br />

experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> no começo do século XIX. É fácil compreender<br />

o extraordinário prestígio <strong>da</strong> paralisia geral, o valor de modelo que<br />

ela assumiu ao longo do século XIX e a extensão geral que se<br />

pretendeu atribuir-lhe para a compreensão dos sintomas<br />

psicopatológicos; a culpabili<strong>da</strong>de sob a forma <strong>da</strong> falta sexual era aí<br />

desig<strong>na</strong><strong>da</strong> de modo bem preciso, e os vestígios que ela deixava<br />

impediam que se pudesse escapar ao ato de acusação; estava<br />

inscrito no próprio organismo. Por outro lado, os surdos poderes de<br />

atração dessa mesma falta, to<strong>da</strong>s as ramificações familiares que ela<br />

estendia pela alma dos que o diagnosticavam, faziam com que esse<br />

mesmo conhecimento tivesse a perturba<strong>da</strong> ambigüi<strong>da</strong>de do<br />

reconhecimento; no fundo dos corações, antes mesmo de qualquer<br />

contágio, a falta era dividi<strong>da</strong> entre o doente e sua família, entre o<br />

doente e seu meio, entre os doentes e seus médicos; a grande<br />

cumplici<strong>da</strong>de dos sexos tor<strong>na</strong>va esse mal estranhamente próximo,<br />

atribuindo-lhe todo o velho lirismo <strong>da</strong> culpabili<strong>da</strong>de e do medo. Mas,<br />

ao mesmo tempo, essa comunicação subterrânea entre o louco e<br />

aquele que o conhece, julga-o e conde<strong>na</strong>-o, perdia seus valores<br />

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