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A história da loucura na idade clássica

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organização pública de assistência submeti<strong>da</strong>s a sua arbitragem. Sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, trata-se de uma coisa<br />

árdua, porém útil, pia e salutar, que não repug<strong>na</strong> nem às escrituras<br />

evangélicas ou apostólicas, nem aos exemplos dos antepassados 61 .<br />

O mundo católico logo vai adotar um modo de percepção <strong>da</strong><br />

miséria que se havia desenvolvido sobretudo no mundo protestante.<br />

Vicente de Paula aprova inteiramente em 1657 o projeto de "reunir<br />

todos os pobres em lugares próprios para sua manutenção, instruí-los<br />

e <strong>da</strong>r-lhes uma ocupação. E um grande objetivo" no qual no entanto<br />

ele hesita em comprometer sua ordem "pois não sabemos ain<strong>da</strong><br />

muito bem se o bom Deus assim o quer" 62 . Alguns anos mais tarde,<br />

to<strong>da</strong> a Igreja aprova a grande inter<strong>na</strong>ção prescrita por Luís XIV. A<br />

partir <strong>da</strong>í, os miseráveis não mais são reconhecidos como o pretexto<br />

enviado por Deus para suscitar a cari<strong>da</strong>de do cristão e com isso <strong>da</strong>r-<br />

lhe a oportuni<strong>da</strong>de para sua salvação; todos os católicos passam a<br />

ver neles, a exemplo do arcebispo de Tours,<br />

a ralé e o rebotalho <strong>da</strong> República, não tanto por suas misérias corporais, de<br />

que devemos ter compaixão, quanto espirituais, que nos horrorizam 63 .<br />

A Igreja tomou partido, e fazendo-o dividiu o mundo cristão <strong>da</strong><br />

miséria que a I<strong>da</strong>de Média em sua totali<strong>da</strong>de havia santificado 64 . De<br />

um lado, haverá a região do bem, que é a <strong>da</strong> pobreza submissa e<br />

conforme à ordem que lhe é proposta. Do outro, a região do mal, isto<br />

é, <strong>da</strong> pobreza insubmissa, que procura escapar a essa ordem. A<br />

primeira aceita o inter<strong>na</strong>mento e aí encontra seu desoanso. A<br />

segun<strong>da</strong> se recusa a tanto, e por isso o merece<br />

Esta dialética é ingenuamente exposta num, texto inspirado pela<br />

corte de Roma, em 1693, traduzido em francês no fi<strong>na</strong>l do século sob<br />

61 Este pedido de arbitragem tinha sido feito pela municipali<strong>da</strong>de de Ypres, que<br />

acabava de proibir a mendici<strong>da</strong>de e to<strong>da</strong>s as formas priva<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cari<strong>da</strong>de. B.<br />

N. R. 36-215, citado in LALLEMAND IV, p. 25.<br />

62 Carta de março de 1657 in SAINT VINCÊNT DE PAUL, Correspon<strong>da</strong>nce, ed.<br />

Coste, VI, p. 245.<br />

63 Carta pastoral de 10 de julho de 1670, loc. cit.<br />

64 «É aqui que se deve misturar a Serpente com a Pomba, e não abrir tanto espaço<br />

à simplici<strong>da</strong>de que a Prudência não possa ser ouvi<strong>da</strong>. É ela que nos dirá a<br />

diferença entre os cordeiros e os bodes» (CAMUS, De la mendicité legitime.<br />

Douai, 1634, pp. 9-10). O mesmo autor explica que o ato de cari<strong>da</strong>de não é<br />

indiferente, em sua significação espiritual, ao valor moral <strong>da</strong>quele sobre o<br />

qual é aplicado: «Sendo necessária a relação entre a Esmola e o Mendigo,<br />

aquela» Pode ser ver<strong>da</strong>deira se este mendigar com justiça e ver<strong>da</strong>de» (idem).<br />

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