15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>da</strong> cura cotidia<strong>na</strong>.<br />

3. O retorno ao imediato. Uma vez que a <strong>loucura</strong> é ilusão, a cura<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, se de fato pode ser realiza<strong>da</strong> pelo teatro, pode ser feita<br />

também, e mais diretamente ain<strong>da</strong>, pela supressão do teatro. Confiar<br />

diretamente a <strong>loucura</strong> e seu mundo vão à plenitude de uma <strong>na</strong>tureza<br />

que não enga<strong>na</strong> porque sua imediatez não conhece o não-ser é, ao<br />

mesmo tempo, entregar a <strong>loucura</strong> à sua própria ver<strong>da</strong>de (uma vez<br />

que a <strong>loucura</strong>, como doença, não passa de um ser <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza) e à<br />

sua contradição mais próxima (uma vez que o delírio, como aparência<br />

sem conteúdo, é o contrário mesmo <strong>da</strong> riqueza freqüentemente<br />

secreta e invisível <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza) . Esta aparece assim como a razão do<br />

desatino, neste duplo sentido cujas causas ela detém e que oculta, ao<br />

mesmo tempo, o princípio de supressão. To<strong>da</strong>via, deve-se observar<br />

que esses temas não são contemporâneos <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong> em to<strong>da</strong> a<br />

sua duração. Embora se pautem pela mesma experiência do desatino,<br />

substituem os temas <strong>da</strong> realização teatral, e seu aparecimento indica<br />

o momento em que a interrogação sobre o ser e o engodo começa a<br />

enfraquecer e a <strong>da</strong>r lugar a uma problemática <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza. Os jogos<br />

<strong>da</strong> ilusão teatral perdem seu sentido, e as técnicas artificiosas <strong>da</strong><br />

realização imaginária são substituí<strong>da</strong>s pela arte, simples e confiante,<br />

de uma redução <strong>na</strong>tural. E isto num sentido ambíguo, pois trata-se<br />

tanto de uma redução pela <strong>na</strong>tureza quanto de uma redução à<br />

<strong>na</strong>tureza.<br />

O retorno ao imediato é a terapêutica por excelência porque é a<br />

recusa rigorosa <strong>da</strong> terapêutica. Ele cura <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que é o<br />

esquecimento de todos os cui<strong>da</strong>dos. É <strong>na</strong> passivi<strong>da</strong>de do homem em<br />

relação a si mesmo, no silêncio, que ele impõe a sua arte e a seus<br />

artifícios que a <strong>na</strong>tureza desdobra uma ativi<strong>da</strong>de que é exatamente<br />

recíproca <strong>da</strong> renúncia. Pois, observando-a de mais perto, essa<br />

passivi<strong>da</strong>de do homem é ativi<strong>da</strong>de real; quando o homem se entrega ao<br />

medicamento, ele escapa à lei do trabalho que a própria <strong>na</strong>tureza lhe<br />

impõe; mergulha no mundo do artifício e <strong>da</strong> contra<strong>na</strong>tureza, <strong>da</strong> qual<br />

sua <strong>loucura</strong> é ape<strong>na</strong>s uma <strong>da</strong>s manifestações. E ignorando essa<br />

doença e retomando seu lugar <strong>na</strong> ativi<strong>da</strong>de dos seres <strong>na</strong>turais que o<br />

homem, numa aparente passivi<strong>da</strong>de que no fundo é ape<strong>na</strong>s uma<br />

industriosa fideli<strong>da</strong>de, consegue sua cura. É assim que Ber<strong>na</strong>rdin de<br />

Saint-Pierre explica como se libertou de um "mal estranho" no qual<br />

"como Édipo, via dois sois". A medici<strong>na</strong> tinha-lhe oferecido sua aju<strong>da</strong><br />

370

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!