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A história da loucura na idade clássica

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mas em virtude de um poder autóctone, serão capazes de elimi<strong>na</strong>r a<br />

<strong>loucura</strong>, isto é, no dia em que o inter<strong>na</strong>mento se transformar em<br />

medicação essencial, em que o gesto negativo de exclusão será ao<br />

mesmo tempo, através de seu sentido único e de suas virtudes<br />

intrínsecas, abertura para o mundo positivo <strong>da</strong> cura. Não se trata de<br />

revestir o inter<strong>na</strong>mento com práticas que lhe são estranhas, mas de,<br />

arrumando-o, forçando uma ver<strong>da</strong>de que ele ocultava, estendendo<br />

todos os fios que nele se cruzam de modo obscuro, <strong>da</strong>r-lhe um valor<br />

médico no movimento que conduz a <strong>loucura</strong> à razão. Fazer de um<br />

espaço, que não passava de divisão social, o domínio dialético onde o<br />

louco e o não--louco irão trocar suas ver<strong>da</strong>des secretas.<br />

Esse passo é <strong>da</strong>do por Tenon e Cabanis. Em Tenon ain<strong>da</strong> se<br />

encontra a velha idéia de que o inter<strong>na</strong>mento dos loucos só pode ser<br />

decretado de maneira definitiva se os cui<strong>da</strong>dos médicos fracassarem:<br />

Somente após terem-se esgotado todos os recursos possíveis é que se<br />

permite consentir <strong>na</strong> necessi<strong>da</strong>de incômo<strong>da</strong> de retirar a liber<strong>da</strong>de de um<br />

ci<strong>da</strong>dão 25 .<br />

Mas o inter<strong>na</strong>mento já não é mais, de uma maneira<br />

rigorosamente negativa, abolição total e absoluta <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Deve<br />

ser, antes, liber<strong>da</strong>de restrita e organiza<strong>da</strong>. Se se desti<strong>na</strong> a evitar<br />

todos os contatos com o mundo <strong>da</strong> razão — e neste sentido é sempre<br />

uma prisão — ele deve abrir, para o exterior, num espaço vazio onde<br />

à <strong>loucura</strong> é permitido exprimir-se: não para que seja abando<strong>na</strong><strong>da</strong> à<br />

sua raiva cega, mas para que lhe seja deixa<strong>da</strong> uma possibili<strong>da</strong>de de<br />

satisfação, uma possibili<strong>da</strong>de de apaziguamento que a coação<br />

ininterrupta não lhe pode permitir:<br />

O primeiro remédio é oferecer ao louco uma certa liber<strong>da</strong>de, de modo que<br />

possa entregar-se comedi<strong>da</strong>mente aos impulsos que a <strong>na</strong>tureza lhe impõe 26 .<br />

Sem procurar dominá-la inteiramente, o inter<strong>na</strong>mento funcio<strong>na</strong><br />

antes como se devesse permitir à <strong>loucura</strong> um recuo graças ao qual<br />

ela possa ser ela mesma, surgindo numa liber<strong>da</strong>de despoja<strong>da</strong> de<br />

to<strong>da</strong>s as reações secundárias — violência, raiva, furor, desespero —,<br />

que não deixam de provocar uma opressão constante. A era <strong>clássica</strong>,<br />

pelo menos em alguns de seus mitos, havia assimilado a <strong>loucura</strong> às<br />

formas mais agressivas <strong>da</strong> animali<strong>da</strong>de: o que aparentava o demente<br />

ao animal era a pre<strong>da</strong>ção. Surge agora o tema segundo o qual pode<br />

25 TENON, Mémoires sur les hôpitaux de Paris, Paris, 1788, Memória 4, P. 212.<br />

26 TENON, Projet de rapport au nom du comité des secours, ms. B.N., 1. 232.<br />

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