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A história da loucura na idade clássica

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sobre ela, discursos ver<strong>da</strong>deiros. Mas ela não tinha o poder de operar<br />

por si mesma, por um direito primitivo e por sua própria virtude, a<br />

síntese de sua linguagem e <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. Sua ver<strong>da</strong>de só podia ser<br />

envolvi<strong>da</strong> num discurso que lhe permanecia exterior. Mas, fazer o<br />

quê, "são loucos ... " Descartes, no movimento pelo qual chega à<br />

ver<strong>da</strong>de, tor<strong>na</strong> impossível o lirismo do desatino.<br />

Ora, aquilo que Le Neveu de Rameau já indicava, e depois dele<br />

todo um modo literário, é o reaparecimento <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> no domínio <strong>da</strong><br />

linguagem, de uma linguagem onde lhe era permitido falar <strong>na</strong><br />

primeira pessoa e enunciar, entre tantos propósitos inúteis e <strong>na</strong><br />

gramática insensata de seus paradoxos, alguma coisa que tivesse<br />

uma relação essencial com a ver<strong>da</strong>de. Essa relação começa agora a<br />

desembaraçar-se e a oferecer-se em todo o seu desenvolvimento<br />

discursivo. Aquilo que a <strong>loucura</strong> diz de si mesma é, para o<br />

pensamento e a poesia do começo do século XIX, igualmente aquilo<br />

que o sonho diz <strong>na</strong> desordem de suas imagens: uma ver<strong>da</strong>de do<br />

homem, bastante arcaica e bem próxima, silenciosa e ameaçadora:<br />

uma ver<strong>da</strong>de abaixo de to<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de, a mais próxima do <strong>na</strong>scimento<br />

<strong>da</strong> subjetivi<strong>da</strong>de e a mais difundi<strong>da</strong> entre as coisas; uma ver<strong>da</strong>de que<br />

é a retira<strong>da</strong> profun<strong>da</strong> <strong>da</strong> individuali<strong>da</strong>de do homem e a forma<br />

incoativa do cosmos:<br />

O que sonha é o Espírito no momento em que desce <strong>na</strong> Matéria, é a<br />

Matéria no momento em que se eleva até o Espírito... O sonho é a<br />

revelação <strong>da</strong> própria essência do homem, o processo mais particular e<br />

mais íntimo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> 4 .<br />

Assim, no discurso comum ao delírio e ao sonho, são reuni<strong>da</strong>s a<br />

possibili<strong>da</strong>de de um lirismo do desejo e a possibili<strong>da</strong>de de uma poesia<br />

do mundo; uma vez que <strong>loucura</strong> e sonho são simultaneamente o<br />

momento <strong>da</strong> extrema subjetivi<strong>da</strong>de e o <strong>da</strong> irônica objetivi<strong>da</strong>de, não<br />

há aqui nenhuma contradição: a poesia do coração, <strong>na</strong> solidão fi<strong>na</strong>l e<br />

exaspera<strong>da</strong> de seu lirismo, se revela, através de uma imediata<br />

reviravolta, como o canto primitivo <strong>da</strong>s coisas; e o mundo, durante<br />

tanto tempo silencioso face ao tumulto do coração, aí reencontra suas<br />

vozes:<br />

4 TROUXLER, Blicke in Wesen des Menschen, cit. in BÉGUIN, L'Ame romantique a le<br />

rêve, Paris, 1939, p. 93.<br />

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