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A história da loucura na idade clássica

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Era necessário, por sua própria origem, que a psicologia fosse<br />

antes isto, ao mesmo tempo em que negava sê-lo. Ela faz parte<br />

inexoravelmente <strong>da</strong> dialética do homem moderno, às voltas com sua<br />

ver<strong>da</strong>de, o que significa que ela nunca esgotará aquilo que está ao<br />

nível dos conhecimentos ver<strong>da</strong>deiros.<br />

Mas, nesses compromissos tagarelas <strong>da</strong> dialética, o desatino<br />

permanece mudo, e o esquecimento provém dos grandes<br />

dilaceramentos silenciosos do homem.<br />

No entanto, outros, "perdendo o caminho, desejam perdê-lo para<br />

sempre". Este fim do desatino alhures é transfiguração.<br />

Há uma região onde, se ela abando<strong>na</strong> o quase silêncio, esse<br />

murmúrio do implícito onde a mantinha a evidência <strong>clássica</strong>, é para<br />

recompor-se num silêncio sulcado de gritos, no silêncio <strong>da</strong> interdição,<br />

<strong>da</strong> vigília e <strong>da</strong> desforra.<br />

O Goya que pintava O Pátio dos Loucos sem dúvi<strong>da</strong><br />

experimentava, diante desse burburinho de carne no vazio, dessas<br />

nudezas ao longo dos muros nus, algo que se aproximava de um<br />

patético contemporâneo: os ouropéis simbólicos que coroam os reis<br />

insensatos deixam visíveis corpos suplicantes, corpos oferecidos às<br />

correntes e aos chicotes, que contradiziam o delírio dos rostos menos<br />

pela miséria desse despojamento do que pela ver<strong>da</strong>de huma<strong>na</strong> que<br />

se manifestava em to<strong>da</strong> essa carne intacta. O homem com o tricórnio<br />

não está louco por ter empoleirado esse trapo em cima de sua nudez<br />

completa; mas nesse louco com chapéu surge, pela virtude sem<br />

linguagem de seu corpo musculoso, de sua juventude selvagem e<br />

maravilhosamente desliga<strong>da</strong>, uma presença huma<strong>na</strong> já libera<strong>da</strong> e<br />

como livre desde o começo dos tempos, por um direito de<br />

<strong>na</strong>scimento. O Pátio dos Loucos fala menos <strong>da</strong>s <strong>loucura</strong>s e dessas<br />

figuras estranhas, encontra<strong>da</strong>s aliás nos Caprichos, do que <strong>da</strong> grande<br />

monotonia desses corpos novos, mostrados em seu vigor e cujos<br />

gestos, se invocam seus sonhos, cantam sobretudo sua sombria<br />

liber<strong>da</strong>de: sua linguagem está próxima do mundo de Pinel.<br />

O Goya dos Disparatados e <strong>da</strong> Casa do Surdo dirige-se a uma<br />

outra <strong>loucura</strong>. Não a dos loucos jogados <strong>na</strong> prisão, mas do homem<br />

jogado em sua noite. Não está ele reatando, para além <strong>da</strong> memória,<br />

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