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A história da loucura na idade clássica

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objetivas, ao olhar do sujeito razoável. Entre o louco e o sujeito que<br />

pronuncia "esse aí é um louco", estabelece-se um enorme fosso, que<br />

não é mais o vazio cartesiano do "não sou esse aí" mas que está<br />

ocupado pela plenitude de um duplo sistema de alteri<strong>da</strong>de: distância<br />

doravante inteiramente povoa<strong>da</strong> de pontos de referência, por<br />

conseguinte mensurável e variável; o louco é mais ou menos<br />

diferente no grupo dos outros que, por sua vez, é mais ou menos<br />

universal. O louco tor<strong>na</strong>-se relativo, mas nem por isso está mais<br />

desarmado de seus poderes perigosos; ele que, no pensamento <strong>da</strong><br />

Re<strong>na</strong>scença, configurava a presença próxima e perigosa, no âmago<br />

<strong>da</strong> razão, de uma semelhança demasiado interior, é agora repelido<br />

para a outra extremi<strong>da</strong>de do mundo, posto de lado e mantido . Sem<br />

condições de inquietar, através de uma dupla segurança, uma vez<br />

que representa a diferença do Outro <strong>na</strong> exteriori<strong>da</strong>de dos outros.<br />

Esta nova forma de consciência i<strong>na</strong>ugura um novo<br />

relacio<strong>na</strong>mento <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> com a razão: não mais dialética contínua<br />

como no século XVI, nem uma oposição simples e permanente, nem<br />

o rigor <strong>da</strong> partilha como no começo <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong>, mas ligações<br />

complexas e estranhamente estabeleci<strong>da</strong>s. De um lado, a <strong>loucura</strong><br />

existe em relação à razão ou, pelo menos, em relação aos "outros"<br />

que, em sua generali<strong>da</strong>de anônima, encarregam-se de representá-la<br />

e atribuir-lhe valor de exigência; por outro lado, ela existe para a<br />

razão, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que surge ao olhar de uma consciência ideal<br />

que a percebe como diferença em relação aos outros. A <strong>loucura</strong> tem<br />

uma dupla maneira de postar-se diante <strong>da</strong> razão: ela está ao mesmo<br />

tempo do outro lado e sob seu olhar. Do outro lado: a <strong>loucura</strong> é<br />

diferença imediata, negativi<strong>da</strong>de pura, aquilo que se denuncia como<br />

não-ser, numa evidência irrecusável; é uma ausência total de razão,<br />

que logo se percebe como tal, sobre o fundo <strong>da</strong>s estruturas do<br />

razoável. Sob o olhar <strong>da</strong> razão: a <strong>loucura</strong> é individuali<strong>da</strong>de singular<br />

cujas características próprias, a conduta, a linguagem, os gestos,<br />

distinguem-se uma a uma <strong>da</strong>quilo que se pode encontrar no nãolouco;<br />

em sua particulari<strong>da</strong>de ela se desdobra para uma razão que<br />

não é termo de referência mas princípio de julgamento; a <strong>loucura</strong> é<br />

então considera<strong>da</strong> em suas estruturas do racio<strong>na</strong>l. O que caracteriza<br />

a <strong>loucura</strong> a partir de Fontenelle é a permanência de um duplo<br />

relacio<strong>na</strong>mento com a razão, esta implicação, <strong>na</strong> experiência <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>, de uma razão considera<strong>da</strong> como norma e de uma razão<br />

defini<strong>da</strong> como sujeito do conhecimento.<br />

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