15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

o outro repete o murmúrio indiferente onde vêm se anular as<br />

conversas do dia e a sombra mentirosa.<br />

A <strong>loucura</strong> desig<strong>na</strong> o equinócio entre a vai<strong>da</strong>de dos fantasmas <strong>da</strong><br />

noite e o não-ser dos juízos <strong>da</strong> clari<strong>da</strong>de.<br />

E isto, que a arqueologia do saber nos pôde ensi<strong>na</strong>r aos poucos,<br />

já nos tinha sido dito, numa simples fulguração trágica, <strong>na</strong>s últimas<br />

palavras de Andrômaca.<br />

É como se, no momento em que a <strong>loucura</strong> desaparece do ato<br />

trágico, no momento em que o homem trágico se separa por mais de<br />

dois séculos do homem desati<strong>na</strong>do, nesse momento, se exigisse dela<br />

uma última figuração. A corti<strong>na</strong> que desce sobre a última ce<strong>na</strong> de<br />

Andrômaca também cai sobre a última <strong>da</strong>s grandes encar<strong>na</strong>ções<br />

trágicas <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. Mas nesta presença no limiar de seu próprio<br />

desaparecimento, nesta <strong>loucura</strong> que começa a esquivar-se para<br />

sempre, enuncia-se aquilo que ela é e será durante to<strong>da</strong> a era<br />

<strong>clássica</strong>. Não é justamente no momento de seu desaparecimento que<br />

ela melhor pode proferir sua ver<strong>da</strong>de, sua ver<strong>da</strong>de de ausência, sua<br />

ver<strong>da</strong>de que é a do dia nos limites <strong>da</strong> noite? Era necessário que fosse<br />

a última ce<strong>na</strong> <strong>da</strong> primeira grande tragédia <strong>clássica</strong> ou, se se preferir,<br />

a primeira vez em que é enuncia<strong>da</strong> a ver<strong>da</strong>de <strong>clássica</strong> <strong>da</strong> <strong>loucura</strong><br />

num movimento trágico que é o último do teatro pré-clássico. De<br />

todo modo, ver<strong>da</strong>de instantânea, uma vez que seu aparecimento não<br />

pode ser mais que seu desaparecimento; só se pode ver o relâmpago<br />

quando a noite já vai avança<strong>da</strong>.<br />

Orestes, em seu furor, atravessa um tríplice círculo <strong>da</strong> noite: três<br />

figurações concêntricas do ofuscamento. O dia acaba de levantar-se<br />

no Palácio de Pirro; a noite ain<strong>da</strong> está presente, margi<strong>na</strong>ndo com<br />

sombras essa luz e indicando pe remptoriamente seus limites. Nessa<br />

manhã, que é manhã de festa, um crime foi cometido e Pirro fechou<br />

os olhos para o dia que se levantava: fragmento de sombra jogado<br />

sobre os degraus do altar, no limiar <strong>da</strong> clari<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> obscuri<strong>da</strong>de. Os<br />

dois grandes temas cósmicos <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> estão portanto presentes de<br />

diversas formas, como presságio, cenário e contraponto <strong>da</strong> ira de<br />

273

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!