15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

e suas quali<strong>da</strong>des essenciais: quali<strong>da</strong>des estáveis que de fato<br />

pertencem a uma substância, que só pode ser considera<strong>da</strong> como<br />

causa. Para Fernel, o humor melancólico, aparentado à Terra e ao<br />

Outono, é um suco "de consistência espessa, frio e seco de<br />

temperamento" 27 . Mas <strong>na</strong> primeira metade do século, organiza-se<br />

to<strong>da</strong> uma discussão a respeito <strong>da</strong> origem <strong>da</strong> melancolia 28 : é<br />

necessário ter um temperamento melancólico para se ver atacado<br />

pela melancolia? O humor melancólico é sempre frio e seco, nunca<br />

acontecendo de ser quente ou úmido? É de fato a substância que<br />

age, ou as quali<strong>da</strong>des que se comunicam? Pode-se resumir do<br />

seguinte modo o que se conseguiu nesse longo debate:<br />

1. A causali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s substâncias é ca<strong>da</strong> vez mais<br />

freqüentemente substituí<strong>da</strong> por um percurso <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des que, sem<br />

o auxílio de suporte algum, transmitem-se imediatamente do corpo<br />

para a alma, do humor para as idéias, dos órgãos para o<br />

comportamento. Assim, a melhor prova, para o Apologista de<br />

Duncan, de que o suco melancólico provoca a melancolia, é que nele<br />

se encontram as próprias quali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> doença:<br />

O suco melancólico está mais capacitado a ter as condições necessárias<br />

para a produção <strong>da</strong> melancolia do que vossas cóleras queima<strong>da</strong>s, pois com<br />

sua frieza diminui a quanti<strong>da</strong>de dos espíritos, com sua secura tor<strong>na</strong>-os<br />

capazes de conservar por bastante tempo a espécie de uma imagi<strong>na</strong>ção<br />

forte e obsti<strong>na</strong><strong>da</strong>, e com seu negrume priva-os de sua clari<strong>da</strong>de e<br />

sutili<strong>da</strong>de <strong>na</strong>turais 29 .<br />

2. Além dessa mecânica <strong>da</strong>s quali<strong>da</strong>des, há uma dinâmica que<br />

a<strong>na</strong>lisa em ca<strong>da</strong> uma delas a força que .nela se encerra. É assim que<br />

o frio e a secura podem entrar em conflito com o temperamento, e<br />

dessa oposição vão <strong>na</strong>scer signos de melancolia tanto mais violentos<br />

<strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que existe uma luta: a força que prevalece e que<br />

carrega consigo to<strong>da</strong>s as que lhe resistem. Assim é que as mulheres,<br />

as quais por sua <strong>na</strong>tureza estão pouco incli<strong>na</strong><strong>da</strong>s à melancolia,<br />

quando a ela sucumbem o fazem com mais gravi<strong>da</strong>de:<br />

Elas são mais cruelmente trata<strong>da</strong>s por esse mal, e agitam-se de modo<br />

mais violento, pois, sendo a melancolia mais oposta a seu temperamento,<br />

ela as afasta mais de sua constituição <strong>na</strong>tural 30 .<br />

27 FERNEL, Physiologia in Universa medica, 1607, p. 121.<br />

28 A razão desse debate foi o problema de saber se se podia assimilar os<br />

possuídos aos melancólicos. Seus protagonistas, <strong>na</strong> França, foram Duncan<br />

e La Mes<strong>na</strong>rdière.<br />

29 Apologia pour Monsieur Duncan, p. 63.<br />

30 Ibidem, pp. 93-94.<br />

292

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!