15.10.2013 Views

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

A história da loucura na idade clássica

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

sensibili<strong>da</strong>de ao desatino, que a família, um dia, poderá constituir-se<br />

no topos dos conflitos onde <strong>na</strong>scem as diversas formas <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>.<br />

Quando a época <strong>clássica</strong> inter<strong>na</strong>va todos aqueles que, em<br />

virtude de uma doença venérea, <strong>da</strong> homossexuali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> devassidão<br />

ou <strong>da</strong> prodigali<strong>da</strong>de, manifestava uma liber<strong>da</strong>de sexual que a moral<br />

dos antepassados conde<strong>na</strong>va (sem com isso nem sequer sonhar com<br />

assimilá-los, de perto ou de longe, aos insanos), ela estava<br />

realizando uma estranha revolução moral: descobria um denomi<strong>na</strong>dor<br />

comum, a insani<strong>da</strong>de, para experiências que durante muito tempo<br />

estiveram bastante afasta<strong>da</strong>s umas <strong>da</strong>s outras. Agrupava todo um<br />

conjunto de condutas conde<strong>na</strong><strong>da</strong>s, formando uma espécie de halo de<br />

culpabili<strong>da</strong>de em torno <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>. A psicopatologia inutilmente<br />

tentará reencontrar essa culpabili<strong>da</strong>de mistura<strong>da</strong> <strong>na</strong> doença mental,<br />

<strong>da</strong>do que ela foi posta aí exatamente por esse obscuro trabalho<br />

preparatório que se realizou no decorrer do Classicismo. Tanto isso é<br />

ver<strong>da</strong>de, que nosso conhecimento científico e médico <strong>da</strong> <strong>loucura</strong><br />

repousa implicitamente sobre a constituição anterior de uma<br />

experiência ética do desatino.<br />

Os costumes do inter<strong>na</strong>mento traem também a presença de<br />

outro agrupamento: o de to<strong>da</strong>s as categorias <strong>da</strong> profa<strong>na</strong>ção.<br />

Encontram-se nos registros observações como esta:<br />

Um dos homens mais furiosos e sem nenhuma religião, que não vai à missa e<br />

não cumpre nenhum dos deveres do cristão, que invoca o santo nome de<br />

Deus em imprecações, dizendo que não existe um deus, mas que se existisse<br />

investiria contra ele de espa<strong>da</strong> <strong>na</strong> mão 35 .<br />

Outrora, fúrias como essa teriam acarretado todos os perigos<br />

próprios <strong>da</strong> blasfêmia, e também os prestígios <strong>da</strong> profa<strong>na</strong>ção;<br />

adquiririam um sentido e uma serie<strong>da</strong>de no horizonte do sagrado.<br />

Durante muito tempo, em seus usos e abusos, a palavra esteve<br />

demasiado liga<strong>da</strong> aos interditos religiosos para que uma violência<br />

desse gênero não fosse encara<strong>da</strong> como próxima do sacrilégio. E até<br />

meados do século XVI as violências do verbo e do gesto ain<strong>da</strong><br />

dependem <strong>da</strong>s velhas pe<strong>na</strong>s religiosas: golilha, pelourinho, incisão<br />

nos lábios com ferro em brasa, segui<strong>da</strong> pela ablação <strong>da</strong> língua e<br />

35 Arse<strong>na</strong>l, ms. 10135.<br />

105

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!