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A história da loucura na idade clássica

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desenvolvendo-se segundo a crônica de uma <strong>história</strong> 20 .<br />

Esta aquisição de uma consciência temporal <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> não se<br />

fez de uma só vez. Precisou <strong>da</strong> elaboração de to<strong>da</strong> uma série de<br />

conceitos novos e, muitas vezes, <strong>da</strong> reinterpretação de temas bem<br />

antigos. O pensamento médico dos séculos XVII e XVIII admitia de<br />

bom grado uma relação quase imediata entre a <strong>loucura</strong> e o mundo:<br />

era a crença <strong>na</strong> influência <strong>da</strong> Lua 21 ; era também a convicção<br />

geralmente difundi<strong>da</strong> °de que o clima tinha uma influência direta<br />

sobre a <strong>na</strong>tureza e a quali<strong>da</strong>de dos espíritos animais e, por<br />

conseguinte, sobre o sistema nervoso, a imagi<strong>na</strong>ção, as paixões e,<br />

enfim, sobre to<strong>da</strong>s as doenças <strong>da</strong> alma. Esta dependência não era<br />

muito níti<strong>da</strong> em seus princípios, nem unívoca em seus efeitos.<br />

Cheyne admite que a umi<strong>da</strong>de do ar, as mu<strong>da</strong>nças repenti<strong>na</strong>s de<br />

temperatura, as chuvas freqüentes comprometem a solidez do<br />

gênero nervoso 22 . Venel, pelo contrário, acredita que,<br />

como o ar frio é mais pesado, mais denso e mais elástico, ele comprime mais<br />

os sólidos, tor<strong>na</strong> sua textura mais firme e sua ação mais forte<br />

em compensação,<br />

num ar quente, que é mais leve, mais rarefeito, menos elástico e por<br />

conseguinte menos compressivo, os sólidos perdem seu tom, os humores<br />

estag<strong>na</strong>m e se alteram; como o ar interno não é contrabalançado pelo ar<br />

externo, os fluidos entram em expansão, dilatam e distendem os vasos que os<br />

contêm até superar e impedir-lhes a reação e até mesmo, às vezes, romper<br />

seus diques 23 .<br />

Para o espírito clássico, a <strong>loucura</strong> podia muito facilmente ser o<br />

efeito de um "meio" exterior — digamos, mais exatamente, o estigma<br />

de uma certa soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de com o mundo: assim como o acesso à<br />

20 No evolucionismo do século XIX, a <strong>loucura</strong> é bem um retorno, mas ao longo de<br />

um caminho cronológico; não é uma derrota absoluta do tempo. Trata-se de<br />

um tempo que voltou, e não, rigorosamente, de uma repetição. Por sua vez, a<br />

psicanálise, que tentou enfrentar outra vez a l, oucurnstia ento o desatino,<br />

viu-se coloca<strong>da</strong> diante desse problema do tempo; fixação dorte, inconsciente<br />

coletivo, arquétipo, delimitam, com maior ou menor felici<strong>da</strong>de, a<br />

heterogenei<strong>da</strong>de de duas estruturas temporais: a que é própria à experiência<br />

do Desatino e ao saber por ele envolvido, e a que é própria ao conhecimento<br />

<strong>da</strong> <strong>loucura</strong> e à ciência que ela autoriza.<br />

21 Cf. supra, Parte II, Cap. III.<br />

22 CHEYNE, Méthode <strong>na</strong>turelle de guérir les maladies du corps, Paris, 1749. Neste<br />

ponto II ele, discora<strong>da</strong> de MONTESQUIEU, Esprit des Lois, Parte III, Livro XIV<br />

Plêiad, II , pp. 474-477<br />

23 VENEL, Essai sur la santé et l'éducation médici<strong>na</strong>le des filies destinées au<br />

mariage, Yvernon, 1776, pp. 135-136.<br />

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