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A história da loucura na idade clássica

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Bicêtre e as salas do Hôtel-Dieu, entre Bethleem e qualquer<br />

workhouse. No entanto, há um fato irredutível: em certos<br />

estabelecimentos os loucos só são recebidos <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que sejam<br />

teoricamente curáveis; em outros são recebidos ape<strong>na</strong>s para livrar-se<br />

deles ou recuperá-los. Sem dúvi<strong>da</strong>, os primeiros são os menos<br />

numerosos e os mais restritos: há menos de 80 loucos no Hôtel-Dieu,<br />

e várias cente<strong>na</strong>s, talvez um milhar, no Hospital Geral. Contudo, por<br />

mais desequilibra<strong>da</strong>s que possam ser em sua extensão e importância<br />

numérica, estas duas experiências têm ca<strong>da</strong> uma sua própria<br />

individuali<strong>da</strong>de. A experiência <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> como doença, por mais<br />

restrita que seja, não pode ser nega<strong>da</strong>. Ela é paradoxalmente<br />

contemporânea de uma outra experiência <strong>na</strong> qual a <strong>loucura</strong> resulta do<br />

inter<strong>na</strong>mento, do castigo, <strong>da</strong> correição. É esta justaposição que<br />

constitui um problema. Sem dúvi<strong>da</strong> é ela que pode aju<strong>da</strong>r a<br />

compreender qual era . a condição do louco no mundo clássico e a<br />

definir o modo de percepção que dele se tinha.<br />

É-se tentado pela solução mais simples: resolver esta<br />

justaposição num tempo implícito, no tempo imperceptível de um<br />

progresso. Os insanos do Hôtel-Dieu e os lunáticos de Bethleem<br />

seriam aqueles que já receberam o estatuto de doentes. Melhor, e<br />

mais cedo que os outros, teriam sido reconhecidos e isolados e, em<br />

seu favor, se teria instituído um tratamento hospitalar que já parece<br />

prefigurar aqueles que o século XIX deveria conceder de pleno direito<br />

a todos os doentes mentais. Quanto aos outros — aos que se<br />

encontram indiferentemente nos hospitais gerais, <strong>na</strong>s workhouses,<br />

<strong>na</strong>s casas de correção ou <strong>na</strong>s prisões, incli<strong>na</strong>mo-nos facilmente a<br />

pensar que se trata de to<strong>da</strong> uma série de doentes que ain<strong>da</strong> não<br />

foram localizados por uma sensibili<strong>da</strong>de médica que estava<br />

justamente começando a <strong>na</strong>scer. Gostamos de pensar que velhas<br />

crenças, ou apreensões próprias do mundo burguês, fecham os<br />

alie<strong>na</strong>dos numa definição <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> que os assimila confusamente<br />

aos criminosos ou a to<strong>da</strong> a classe mistura<strong>da</strong> dos a-sociais. É um jogo<br />

ao qual se prestam com prazer os médicos-historiadores e que<br />

consiste em reconhecer nos próprios registros do inter<strong>na</strong>mento, e<br />

através <strong>da</strong> aproximação <strong>da</strong>s palavras, as sóli<strong>da</strong>s categorias médicas<br />

entre as quais a patologia dividiu, <strong>na</strong> eterni<strong>da</strong>de do saber, as doenças<br />

do espírito. Os "ilumi<strong>na</strong>dos" e "visionários" correspondem sem dúvi<strong>da</strong><br />

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