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A história da loucura na idade clássica

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século XVIII, quando escreve, à época <strong>da</strong> Restauração:<br />

As mais profun<strong>da</strong>s misérias do homem social e suas inúmeras fruições, seus<br />

sublimes pensamentos e seu embrutecimento, surgem <strong>da</strong> própria excelência<br />

de sua <strong>na</strong>tureza, de sua perfectibili<strong>da</strong>de e do desenvolvimento excessivo de<br />

suas facul<strong>da</strong>des físicas e morais. A multiplici<strong>da</strong>de de suas necessi<strong>da</strong>des, de<br />

seus desejos, de suas paixões — este é o resultado <strong>da</strong> civilização, fonte de<br />

vícios e virtudes, males e bens. É do seio <strong>da</strong>s delícias e <strong>da</strong> opulência <strong>da</strong>s<br />

ci<strong>da</strong>des que se levantam os gemidos <strong>da</strong> miséria, os gritos do desespero e do<br />

furor. Bicêtre, Bedlam atestam esta ver<strong>da</strong>de 50 .<br />

Sem dúvi<strong>da</strong>, esta dialética simples entre o bem e o mal, entre o<br />

progresso e a decadência, entre a razão e o desatino, é muito familiar<br />

ao século XVIII. Mas sua importância foi decisiva <strong>na</strong> <strong>história</strong> <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>: ela inverteu a perspectiva temporal <strong>na</strong> qual normalmente se<br />

percebia a <strong>loucura</strong>; colocou-a no curso indefinido de um tempo cuja<br />

origem era fixa e cujo objetivo era ca<strong>da</strong> vez mais recuado; abriu a<br />

<strong>loucura</strong> para uma duração irreversível, rompendo seus ciclos<br />

cósmicos e arrancando-a à fasci<strong>na</strong>ção do erro passado; prometia a<br />

invasão do mundo pela <strong>loucura</strong>, não mais sob a forma apocalíptica do<br />

triunfo do Insensato, como no século XV, mas sob a forma contínua,<br />

perniciosa, progressiva, jamais fixa<strong>da</strong> em nenhuma figura termi<strong>na</strong>l,<br />

rejuvenescendo em virtude do próprio envelhecimento do mundo.<br />

Desde antes <strong>da</strong> Revolução já se inventava um dos grandes temores<br />

do século XIX, e já se lhe <strong>da</strong>va um nome: chamavam-no de "a<br />

degeneração".<br />

Este é evidentemente um dos temas mais tradicio<strong>na</strong>is <strong>da</strong> cultura<br />

greco-lati<strong>na</strong>: a idéia de que os filhos não têm mais o mesmo valor<br />

dos pais e esta nostalgia por uma antiga sabedoria cujos segredos se<br />

perdem <strong>na</strong> <strong>loucura</strong> dos contemporâneos. Mas trata-se, ain<strong>da</strong> aqui, de<br />

uma idéia moral cuja base é unicamente crítica: não é uma<br />

percepção, mas uma recusa <strong>da</strong> <strong>história</strong>. No século XVIII, pelo<br />

contrário, essa duração vazia <strong>da</strong> decadência começa a receber um<br />

conteúdo concreto: a degeneração não ocorre mais de acordo com a<br />

desci<strong>da</strong> que representa um abandono moral, mas obedecendo às<br />

linhas de força de um meio humano, ou às leis de uma herança física.<br />

Portanto, não é mais por ter esquecido o tempo, considerado como<br />

memória do imemorial, que o homem degenera, mas porque nele,<br />

pelo contrário, o tempo tor<strong>na</strong>-se mais pesado, ca<strong>da</strong> vez mais<br />

opressor e mais presente, como uma espécie de memória material<br />

dos corpos, que totaliza o passado e separa a existência de sua<br />

50 MATTHEY, Nouvelles rechertkies sur !es maladies de l'esprit, p. 67.<br />

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