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A história da loucura na idade clássica

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outro, um mundo ardente e desértico, um mundo-pânico onde tudo é<br />

fuga, desordem, sulco instantâneo. E o rigor desses temas em sua<br />

forma cósmica — não as aproximações de uma prudência<br />

observadora — que organizou a experiência (já quase nossa<br />

experiência) <strong>da</strong> mania e <strong>da</strong> melancolia.<br />

E a Willis, a seu espírito de observação, à pureza de sua<br />

percepção médica, que se atribui a honra <strong>da</strong> "descoberta" do ciclo<br />

maníaco-depressivo; digamos melhor, <strong>da</strong> alternância mania-<br />

melancolia. Com efeito, a démarche de Willis é do maior interesse.<br />

Inicialmente, por esta razão: a passagem de uma afecção a outra não<br />

é percebi<strong>da</strong> como um fato de observação cuja explicação se teria de<br />

descobrir em segui<strong>da</strong>, mas sim a conseqüência de uma afini<strong>da</strong>de<br />

profun<strong>da</strong> que é <strong>da</strong> ordem de sua <strong>na</strong>tureza secreta. Willis não cita um<br />

único caso de alternância que ele teve ocasião de observar; o que ele<br />

de início decifrou foi um parentesco interior que acarreta estranhas<br />

metamorfoses:<br />

Após a melancolia, é preciso tratar <strong>da</strong> mania, que tem com ela tantas<br />

afini<strong>da</strong>des, que essas afecções freqüentemente se substituem uma à<br />

outra:<br />

acontece mesmo à diátese melancólica, se ela se agrava, de tor<strong>na</strong>r-<br />

se furor. O furor, pelo contrário, quando decresce, quando perde<br />

força e entra em estado de repouso, transforma-se em diátese<br />

atrabiliária 50 . Para um empirista rigoroso, haveria aí duas doenças<br />

conjuntas, ou ain<strong>da</strong> dois sintomas sucessivos de uma mesma e única<br />

doença. De fato, Willis não coloca o problema nem em termos de<br />

sintomas, nem em termos de doença; procura ape<strong>na</strong>s a ligação<br />

desses dois estados <strong>na</strong> dinâmica dos espíritos animais. No<br />

melancólico, como se recor<strong>da</strong>, os espíritos eram sombrios e obscuros;<br />

projetavam suas trevas contra as imagens <strong>da</strong>s coisas e constituíam,<br />

<strong>na</strong> luz <strong>da</strong> alma, como que a ascensão de uma sombra; <strong>na</strong> mania,<br />

pelo contrário, os espíritos agitam-se numa crepitação eter<strong>na</strong>; são<br />

arrastados por um movimento irregular, sempre recomeçado; um<br />

movimento que corrói e consome, e mesmo sem febre irradia seu<br />

calor. Da mania à melancolia, é evidente a afini<strong>da</strong>de: não é a<br />

afini<strong>da</strong>de de sintomas que se encadeiam <strong>na</strong> experiência: é a<br />

50 WILLIS, Opera, II, p. 255.<br />

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