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A história da loucura na idade clássica

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corpo e a alma se desfez, nem que ca<strong>da</strong> um dos dois reencontra, <strong>na</strong><br />

<strong>loucura</strong>, sua autonomia. Sem dúvi<strong>da</strong> a uni<strong>da</strong>de está comprometi<strong>da</strong><br />

em seu rigor e em sua totali<strong>da</strong>de; mas é que ela se fende segundo<br />

linhas que, sem aboli-la, dividem-<strong>na</strong> em setores arbitrários. Pois<br />

quando o melancólico se fixa numa idéia delirante, não é ape<strong>na</strong>s a<br />

alma que está em ação, mas a alma e o cérebro, a alma e os nervos,<br />

sua origem e suas fibras: todo um segmento <strong>da</strong> uni<strong>da</strong>de entre a alma<br />

e o corpo, que se destaca assim do conjunto e, singularmente, dos<br />

órgãos pelos quais se efetua a percepção do real. A mesma coisa <strong>na</strong>s<br />

convulsões e <strong>na</strong> agitação; a alma não é, nelas, excluí<strong>da</strong> do corpo,<br />

mas vê-se arrebata<strong>da</strong> por ele tão rapi<strong>da</strong>mente que não pode manter<br />

to<strong>da</strong>s suas representações, separando-se de suas lembranças, de<br />

suas vontades, de suas idéias mais sóli<strong>da</strong>s; e assim, isola<strong>da</strong> de si<br />

mesma e de tudo o que no corpo permanece estável, deixa-se levar<br />

pelas fibras mais móveis. A partir de então, <strong>na</strong><strong>da</strong> mais em seu<br />

comportamento se a<strong>da</strong>pta à reali<strong>da</strong>de, à ver<strong>da</strong>de ou à sabedoria; as<br />

fibras, em sua vibração, podem muito bem imitar aquilo que se passa<br />

<strong>na</strong>s percepções, mas não cabe ao doente a iniciativa:<br />

As pulsações rápi<strong>da</strong>s e desorde<strong>na</strong><strong>da</strong>s <strong>da</strong>s artérias, ou qualquer outro<br />

desarranjo, imprimem o mesmo movimento às fibras (que <strong>na</strong> percepção);<br />

elas representarão como presentes objetos ausentes, como ver<strong>da</strong>deiros<br />

aqueles que são quiméricos 50 .<br />

Na <strong>loucura</strong>, a totali<strong>da</strong>de alma-corpo se fragmenta: não segundo<br />

os elementos que a constituem metafisicamente, mas segundo<br />

figuras que envolvem, numa espécie de uni<strong>da</strong>de irrisória, segmentos<br />

do corpo e idéias <strong>da</strong> alma. Fragmentos que isolam o homem de si<br />

mesmo, mas sobretudo que o isolam <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de; fragmentos que,<br />

ao se destacarem, formam a uni<strong>da</strong>de irreal de um fantasma, e em<br />

virtude dessa mesma autonomia o impõem à ver<strong>da</strong>de. "A <strong>loucura</strong><br />

consiste ape<strong>na</strong>s no desregramento <strong>da</strong> imagi<strong>na</strong>ção" 51 . Em outras<br />

palavras, começando com a paixão, a <strong>loucura</strong> não passa de um<br />

movimento vivo <strong>na</strong> uni<strong>da</strong>de racio<strong>na</strong>l <strong>da</strong> alma e do corpo; é o nível do<br />

desatino; mas esse movimento logo escapa à razão <strong>da</strong> mecânica e,<br />

em suas violências, em seus estupores, em suas propagações<br />

insensatas, tor<strong>na</strong>-se um movimento irracio<strong>na</strong>l; é então que,<br />

escapando ao peso <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de e a suas coações, liberta-se o Irreal.<br />

E com isso fica indicado para nós o terceiro ciclo que é agora<br />

50 Encyclopédie, verbete «Mania».<br />

51 L'Ame matérielle, p. 169.<br />

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