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A história da loucura na idade clássica

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decidir sobre uma inter<strong>na</strong>ção ou libertação.<br />

De fato, semelhante análise pressuporia a persistência imóvel de<br />

uma <strong>loucura</strong> já dota<strong>da</strong> de seu eterno equipamento psicológico, mas<br />

cuja ver<strong>da</strong>de exigiria um longo tempo para ser isola<strong>da</strong>. Ignora<strong>da</strong> há<br />

séculos, ou pelo menos mal conheci<strong>da</strong>, a era <strong>clássica</strong> teria começado<br />

a apreendê-la de modo obscuro como desorganização <strong>da</strong> família,<br />

desordem social, perigo para o Estado. E aos poucos esta primeira<br />

percepção se teria organizado, e fi<strong>na</strong>lmente aperfeiçoado, numa<br />

consciência médica que teria formulado como doença <strong>da</strong> <strong>na</strong>tureza<br />

aquilo que até então era reconhecido ape<strong>na</strong>s como mal-estar <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de. Seria necessário, assim, supor uma espécie de ortogênese<br />

que fosse <strong>da</strong> experiência social ao conhecimento científico,<br />

progredindo sur<strong>da</strong>mente <strong>da</strong> consciência de grupo à ciência positiva,<br />

sendo aquela ape<strong>na</strong>s a forma oculta desta, e como que seu<br />

vocabulário balbuciante. A experiência social, conhecimento<br />

aproximado, seria <strong>da</strong> mesma <strong>na</strong>tureza que o próprio conhecimento, e<br />

já a caminho de sua perfeição 2 . Por essa mesma razão, o objeto do<br />

saber lhe preexiste, <strong>da</strong>do que já era ele que era apreendido, antes de<br />

ser rigorosamente delimitado por uma ciência positiva: em sua<br />

solidez intemporal, ele permanece abrigado <strong>da</strong> <strong>história</strong>, retirado<br />

numa ver<strong>da</strong>de que continua em estado de vigília até o despertar total<br />

<strong>da</strong> positivi<strong>da</strong>de.<br />

Mas não é de todo certo que a <strong>loucura</strong> tenha esperado, recolhi<strong>da</strong><br />

em sua imóvel identi<strong>da</strong>de, o aperfeiçoamento <strong>da</strong> psiquiatria a fim de<br />

passar de uma existência obscura para a luz <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. Não é<br />

inquestionável também, por outro lado, que era à <strong>loucura</strong>, ain<strong>da</strong> que<br />

de modo implícito, que se dirigiam as medi<strong>da</strong>s de inter<strong>na</strong>mento. Não<br />

é inquestionável, enfim, que, ao refazer no limiar <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong> o<br />

gesto bem amigo <strong>da</strong> segregação, o mundo moderno tenha desejado<br />

elimi<strong>na</strong>r aqueles que — quer mutação espontânea, quer varie<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

espécie — manifestavam-se como "a-sociais". É fato que nos internos<br />

do século XVIII podemos encontrar uma semelhança com nossa<br />

perso<strong>na</strong>gem contemporânea do a-social, mas ela provavelmente<br />

pertence ape<strong>na</strong>s à ordem do resultado, pois esta perso<strong>na</strong>gem foi<br />

suscita<strong>da</strong> pelo próprio gesto <strong>da</strong> segregação. Chegou o dia em que<br />

2 É curioso notar que este preconceito de método é comum, em to<strong>da</strong> sua<br />

ingenui<strong>da</strong>de, aos autores de que falamos e à maioria dos marxistas que se<br />

referem à <strong>história</strong> <strong>da</strong>s ciências.<br />

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