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A história da loucura na idade clássica

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estão "do outro lado", e que representam ao mesmo tempo os<br />

prestígios <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de que inter<strong>na</strong> e o rigor <strong>da</strong> razão que julga. O<br />

vigilante intervém, desarmado, sem instrumentos de coação, com o<br />

olhar e a linguagem, ape<strong>na</strong>s. Avança sobre a <strong>loucura</strong>, despojado de<br />

tudo aquilo que o poderia proteger ou torná-lo ameaçador, correndo<br />

o risco de um confronto imediato e sem recurso. No entanto, não é<br />

como pessoa concreta que ele vai enfrentar a <strong>loucura</strong>, mas como ser<br />

de razão, investido exatamente por isso, antes de todo combate, <strong>da</strong><br />

autori<strong>da</strong>de que lhe vem do fato de não ser um louco. A vitória <strong>da</strong><br />

razão sobre o desatino era antes assegura<strong>da</strong> ape<strong>na</strong>s pela força<br />

material, e numa espécie de combate real. Agora, o combate já se<br />

apresenta sempre como tendo existido: a derrota do desatino está<br />

antecipa<strong>da</strong>mente inscrita <strong>na</strong> situação concreta em que se defrontam<br />

o louco e o não-louco. A ausência <strong>da</strong> coação nos asilos do século XIX<br />

não é desatino libertado, mas <strong>loucura</strong> há muito domi<strong>na</strong><strong>da</strong>.<br />

Por essa razão nova que impera no asilo, a <strong>loucura</strong> não<br />

representa a forma absoluta <strong>da</strong> contradição, mas antes uma i<strong>da</strong>de<br />

menor, um aspecto de si mesma sem direito à autonomia, e que só<br />

pode viver enxerta<strong>da</strong> sobre o mundo <strong>da</strong> razão. A <strong>loucura</strong> é infância.<br />

Tudo é organizado no Retiro para que os alie<strong>na</strong>dos sejam diminuídos.<br />

Ali são considerados<br />

como crianças com um excesso de força e que a utilizam de forma<br />

perigosa. Necessitam de castigos e recompensas presentes; tudo aquilo<br />

que é um pouco distanciado não tem efeito sobre eles. É preciso aplicar<br />

neles um novo sistema de educação, <strong>da</strong>r um novo curso a suas idéias;<br />

subjugá-los de início, encorajá-los a seguir, aplicá-los no trabalho, tor<strong>na</strong>rlhes<br />

agradável esse trabalho através de meios atraentes 45 .<br />

Há muito tempo já que o direito considerava os alie<strong>na</strong>dos como<br />

menores de i<strong>da</strong>de, mas tratava-se aí de uma situação jurídica,<br />

abstratamente defini<strong>da</strong> pela interdição e pela curatela. Não era um<br />

modo concreto de relações de homem a homem. O estado de<br />

minori<strong>da</strong>de se transforma, em Tuke, num estilo de existência para os<br />

loucos e, para os guardiães, num modo de soberania. Insiste-se<br />

muito sobre o aspecto de "grande família" que a comuni<strong>da</strong>de dos<br />

insensatos e seus vigilantes assumem no Retiro. Aparentemente,<br />

essa "família" coloca a doença num meio ao mesmo tempo normal e<br />

<strong>na</strong>tural; <strong>na</strong> ver<strong>da</strong>de, ela a alie<strong>na</strong> ain<strong>da</strong> mais. A minori<strong>da</strong>de jurídica<br />

com que se revestia o louco estava desti<strong>na</strong><strong>da</strong> a protegê-lo enquanto<br />

45 DELARIVE, loc. cit., p. 30.<br />

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