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A história da loucura na idade clássica

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para o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, como insano dos mais perigosos, ou que deve ser<br />

esquecido <strong>na</strong> Bastilha, como celerado de primeira ordem; creio mesmo que a<br />

última alter<strong>na</strong>tiva é a mais segura e, por conseguinte, a mais conveniente 4 .<br />

Não há exclusão entre <strong>loucura</strong> e crime, mas sim uma<br />

implicação que os une. O indivíduo pode ser um pouco mais insano,<br />

ou um pouco mais criminoso, mas até o fim a <strong>loucura</strong> mais<br />

extrema<strong>da</strong> será assombra<strong>da</strong> pela mal<strong>da</strong>de. Ain<strong>da</strong> a respeito de<br />

Doucelin, d'Argenson observa mais tarde: "quanto mais dócil<br />

parece, mais legítimo é acreditar que em suas extravagâncias havia<br />

muito de fingimento e de malícia". E em 1709 "ele é muito menos<br />

firme <strong>na</strong> retratação de suas quimeras, e um pouco mais imbecil".<br />

Esse jogo de complementarie<strong>da</strong>de aparece de modo mais claro num<br />

outro relatório do tenente d'Argenson a respeito de Tadeu Cousini,<br />

"mau monge"; tinha sido colocado em Charenton e, em 1715,<br />

ele continua a ser ímpio quando racioci<strong>na</strong> e absolutamente imbecil quando<br />

deixa de racioci<strong>na</strong>r. Assim embora a paz geral devesse libertá-lo, como<br />

espião que era, a situação de seu espírito e a honra <strong>da</strong> religião não o<br />

permitem 5 .<br />

Estamos no extremo oposto dessa regra fun<strong>da</strong>menta] do<br />

direito sègundo a qual "a ver<strong>da</strong>deira <strong>loucura</strong> tudo desculpa" 6 . No<br />

mundo do inter<strong>na</strong>mento, a lou cura não explica nem desculpa<br />

coisa alguma; ela entra em cumpli ci<strong>da</strong>de com o mal a fim de<br />

multiplicá -lo, torná-lo mais insistente e perigoso e atribuir-lhe<br />

novas caras.<br />

De um caluniador que é louco, diríamos que suas calúnias são<br />

provenientes do delírio, tanto estamos acostumados a considerar a<br />

<strong>loucura</strong> como a ver<strong>da</strong>de ao mesmo tempo mai s profun<strong>da</strong> e<br />

inocente do homem; no século XVII, a desordem do espírito se<br />

adicio<strong>na</strong> à calúnia <strong>na</strong> mesma totali<strong>da</strong>de do mal; prende -se <strong>na</strong><br />

Cari<strong>da</strong>de de Senlis, por "calúnias e fraquezas do espírito", um<br />

homem que tem "um caráter violento, turbulento e superstici oso,<br />

além de ser grande mentiroso e caluniador" 7 . No furor, tantas<br />

vezes mencio<strong>na</strong>do nos registros de inter<strong>na</strong>mento, a violência não<br />

retira <strong>da</strong> mal<strong>da</strong>de aquilo que procede <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, mas seu conjunto<br />

4 Arquivos <strong>da</strong> Bastilha, RAVAISSON, XI, p. 243.<br />

5 Idem, p. 199.<br />

6 Diction<strong>na</strong>ire de droit et de pratique, verbete «Loucura», I, p. 611. Cf. o título<br />

XXVIII, art. 1, <strong>da</strong> orde<strong>na</strong>ção origi<strong>na</strong>l de 1670: «O furioso ou insano, como não<br />

tem nenhuma vontade, não deve ser punido, pois já o é por sua <strong>loucura</strong>».<br />

7 Arse<strong>na</strong>l, ms. 12707.<br />

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