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A história da loucura na idade clássica

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costumes, através de advertências, censuras e castigos que serão logo<br />

infligidos 90 .<br />

Aos poucos, no decorrer <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong>, esse despertar<br />

autoritário <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> perderá seu sentido origi<strong>na</strong>l para se limitar<br />

ape<strong>na</strong>s a uma lembrança <strong>da</strong> lei moral, retorno ao bem, fideli<strong>da</strong>de à<br />

lei. O que Willis ain<strong>da</strong> entendia como reabertura para a ver<strong>da</strong>de não<br />

será mais inteiramente compreendido por Sauvages, que falará de<br />

lucidez no reconhecimento do bem:<br />

É assim que se pode chamar de volta à razão aqueles a quem falsos<br />

princípios de filosofia moral fizeram com que a perdessem, contanto que<br />

queiram exami<strong>na</strong>r conosco quais são os ver<strong>da</strong>deiros bens, quais os que se<br />

devem preferir aos demais 91 .<br />

Já não é mais como despertador que o médico deverá agir, mas<br />

como moralista. Contra a <strong>loucura</strong>, Tissot acredita que uma<br />

"consciência pura e sem censuras é um excelente preservativo" 92 . E<br />

logo Pinel aparece para dizer que o despertar para a ver<strong>da</strong>de não tem<br />

mais sentido <strong>na</strong> cura, mas ape<strong>na</strong>s a obediência e a cega submissão:<br />

Um princípio fun<strong>da</strong>mental para a cura <strong>da</strong> mania num grande número de<br />

casos é recorrer de início a uma enérgica repressão, segui<strong>da</strong> por<br />

benevolência 93 .<br />

2. A realização teatral. Pelo menos aparentemente, trata-se de<br />

uma técnica rigorosamente oposta à do despertar. Lá, o delírio, em<br />

sua vivaci<strong>da</strong>de imediata, era confrontado com o trabalho <strong>da</strong> razão.<br />

Seja sob a forma de uma lenta pe<strong>da</strong>gogia, seja sob a forma de uma<br />

irrupção autoritária, a razão se impunha por si mesma e como que<br />

através do peso de seu ser próprio. O não-ser <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, a i<strong>na</strong>ni<strong>da</strong>de<br />

de seu erro deviam enfim ceder a essa pressão <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>de. Aqui, a<br />

operação terapêutica desenrola-se no espaço <strong>da</strong> imagi<strong>na</strong>ção; trata-se<br />

de uma cumplici<strong>da</strong>de do irreal consigo mesmo; o imaginário deve<br />

entrar em seu próprio jogo, suscitar voluntariamente novas imagens,<br />

delirar <strong>na</strong> linha do delírio e, sem oposição nem confronto, sem<br />

mesmo dialética visível, paradoxalmente, curar. A saúde deve investir<br />

a doença e vencê-la no próprio <strong>na</strong><strong>da</strong> em que a doença está<br />

encerra<strong>da</strong>. A imagi<strong>na</strong>ção,<br />

90 WILLIS, Opera, II, p. 261.<br />

91 SAUVAGES, Nosologie méthodique, VII, p. 28.<br />

92 TISSOT, Avis aux gens de lettres sur leur santé, p. 117.<br />

93 PINEL, Traité médico-philosophique, p. 222.<br />

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