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A história da loucura na idade clássica

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Reconhece-se que rei<strong>na</strong> em Bicêtre uma "febre pútri<strong>da</strong>" liga<strong>da</strong> à má<br />

quali<strong>da</strong>de do ar. Quanto à origem primeira do mal, o relatório nega<br />

que esteja <strong>na</strong> presença dos internos e <strong>na</strong> infecção por eles<br />

espalha<strong>da</strong>; essa origem deve ser atribuí<strong>da</strong> simplesmente ao mau<br />

tempo que tornou endêmico o mal <strong>na</strong> capital; os sintomas que se<br />

puderam observar no Hospital Geral são<br />

conformes à <strong>na</strong>tureza <strong>da</strong> estação do ano e concor<strong>da</strong>m perfeitamente com as<br />

doenças observa<strong>da</strong>s em Paris desde essa mesma época.<br />

Portanto, é preciso tranqüilizar a população e inocentar Bicêtre:<br />

Os boatos que começaram a espalhar-se referentes a uma doença contagiosa<br />

em Bicêtre, capaz de infectar a capital, não têm fun<strong>da</strong>mento 9 .<br />

O relatório, sem dúvi<strong>da</strong>, não fez cessar completamente os boatos<br />

alarmantes, uma vez que, algum tempo depois, o médico do Hospital<br />

Geral redige outro relatório, onde refaz a mesma demonstração; é<br />

obrigado a reconhecer o mau estado sanitário de Bicêtre, mas<br />

as coisas, é ver<strong>da</strong>de, não chegam ao ponto cruel e extremo de ver o hospício<br />

desses infelizes convertido numa outra fonte de males inevitáveis e ain<strong>da</strong><br />

mais tristes que aqueles contra os quais é importante aplicar um remédio tão<br />

rápido quanto eficaz 10 .<br />

O círculo está fechado: to<strong>da</strong>s essas formas do desatino que<br />

haviam ocupado, <strong>na</strong> geografia do mal, o lugar <strong>da</strong> lepra e que se havia<br />

banido para bem longe <strong>da</strong>s distâncias sociais, tor<strong>na</strong>ram-se agora<br />

lepra visível, e exibem suas chagas comi<strong>da</strong>s à promiscui<strong>da</strong>de dos<br />

homens. O desatino está novamente presente, mas agora marcado<br />

por um indício imaginário de doença atribuído por seus poderes<br />

aterrorizantes.<br />

Portanto, é no fantástico, e não no rigor do pensamento médico,<br />

que o desatino enfrenta a doença, dela se aproximando. Bem antes<br />

de formular-se o problema de saber em que medi<strong>da</strong> o desatino é<br />

patológico, tinha-se constituído, no espaço do inter<strong>na</strong>mento e por<br />

uma alquimia que lhe era própria, uma mistura entre o horror do<br />

desatino e as velhas assombrações <strong>da</strong> doença. Mesmo de muito<br />

distante, as antigas confusões <strong>da</strong> lepra entram em atuação mais uma<br />

9 Uma cópia manuscrita desse relatório encontra-se <strong>na</strong> B. N., col. «Joly de Fleury»,<br />

1235, 1. 120.<br />

10 Ibid, f. 123. O conjunto do caso ocupa os fólios 1 .17-126; sobre a. :febre <strong>da</strong>s<br />

prisões» e o contágio que ameaça as ci<strong>da</strong>des, cf. HOWARD, État des. prisons,<br />

I, Introdução, p, 3.<br />

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