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A história da loucura na idade clássica

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identi<strong>da</strong>de; de fato, a continui<strong>da</strong>de é ape<strong>na</strong>s o fenômeno de uma<br />

descontinui<strong>da</strong>de. Se essas condutas arcaicas puderam manter-se, foi<br />

<strong>na</strong> própria medi<strong>da</strong> em que foram altera<strong>da</strong>s. Ape<strong>na</strong>s um enfoque<br />

retrospectivo diria que se trata de um problema de reaparecimento;<br />

seguindo a própria trama <strong>da</strong> <strong>história</strong>, compreende-se que se trata<br />

antes de um problema de transformação do campo <strong>da</strong> experiência.<br />

Essas condutas foram elimi<strong>na</strong><strong>da</strong>s, não porém no sentido de terem<br />

desaparecido, mas no sentido em que se constitui para elas um<br />

domínio ao mesmo tempo de exílio e de eleição; abando<strong>na</strong>ram o solo<br />

<strong>da</strong> experiência cotidia<strong>na</strong> ape<strong>na</strong>s para serem integra<strong>da</strong>s no campo do<br />

desatino, donde deslizaram aos poucos para a esfera de pertinência<br />

<strong>da</strong> doença. Não é às proprie<strong>da</strong>des de um inconsciente coletivo que se<br />

deve pedir contas por essa sobrevivência, mas sim às estruturas<br />

desse domínio <strong>da</strong> experiência que é o desatino, e às mu<strong>da</strong>nças nele<br />

ocorri<strong>da</strong>s.<br />

Assim, o desatino aparece, com to<strong>da</strong>s as significações que o<br />

Classicismo nele elaborou, como um campo de experiência,<br />

demasiado secreto sem dúvi<strong>da</strong> para ter sido alguma vez formulado<br />

em termos claros, demasiado combatido também, <strong>da</strong> Re<strong>na</strong>scença à<br />

era moder<strong>na</strong>, para receber o direito à expressão, mas bastante<br />

importante para ter sustentado não ape<strong>na</strong>s uma instituição como a<br />

do inter<strong>na</strong>mento, não ape<strong>na</strong>s as concepções e as práticas referentes<br />

à <strong>loucura</strong>, mas todo um reajuste do mundo ético. É a partir dele que<br />

se tor<strong>na</strong> necessário compreender a perso<strong>na</strong>gem do louco tal como ele<br />

surge <strong>na</strong> época <strong>clássica</strong> e a maneira pela qual se constitui aquilo que<br />

o século XIX acreditará reconhecer, entre as ver<strong>da</strong>des imemoriais de<br />

seu positivismo, como a alie<strong>na</strong>ção mental. Nesse campo, a <strong>loucura</strong>,<br />

<strong>da</strong> qual a Re<strong>na</strong>scença tivera experiências tão diversas a ponto de ter<br />

sido simultaneamente não-sabedoria, desordem do mundo, ameaça<br />

escatológica e doença, nesse campo a <strong>loucura</strong> encontra seu equilíbrio<br />

e prepara essa uni<strong>da</strong>de que se oferecerá, talvez de modo ilusório, ao<br />

conhecimento positivo; a <strong>loucura</strong> encontrará desse modo, mas<br />

através de uma interpretação moral, esse distanciamento que<br />

autoriza o saber objetivo, essa culpabili<strong>da</strong>de que explica a que<strong>da</strong> <strong>na</strong><br />

<strong>na</strong>tureza, essa conde<strong>na</strong>ção moral que desig<strong>na</strong> o determinismo do<br />

coração, de seus desejos e paixões. Anexando ao domínio do<br />

desatino, ao lado <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, as proibições sexuais, os interditos<br />

religiosos, as liber<strong>da</strong>des do pensamento e do coração, o Classicismo<br />

formava uma experiência moral do desatino que serve, no fundo, de<br />

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