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A história da loucura na idade clássica

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precedi<strong>da</strong>s pela "debili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> medula do cérebro e <strong>da</strong>s fibras<br />

nervosas que se distribuem nos órgãos, pela depauperação e inércia<br />

dos fluidos" 42 ? Na ver<strong>da</strong>de, não se trata mais de situar a paixão no<br />

curso de uma sucessão causal, ou a meio caminho entre o corporal e<br />

o espiritual; ela indica, num nível mais profundo, que a alma e o<br />

corpo estão num eterno relacio<strong>na</strong>mento metafórico, no qual as<br />

quali<strong>da</strong>des não têm necessi<strong>da</strong>de de serem comunica<strong>da</strong>s porque já<br />

são comuns, e onde os fatos de expressão não têm necessi<strong>da</strong>de de<br />

adquirir valor causal simplesmente porque a alma e o corpo são<br />

sempre expressão imediata um do outro. A paixão não está mais<br />

exatamente no centro geométrico do conjunto <strong>da</strong> alma e do corpo;<br />

ela está um pouco aquém deles, ali onde a oposição entre ambos<br />

ain<strong>da</strong> não existe, nessa região onde se instauram simultaneamente a<br />

uni<strong>da</strong>de e a distinção entre eles.<br />

Mas nesse nível a paixão já não é simplesmente uma <strong>da</strong>s causas,<br />

mesmo privilegia<strong>da</strong>, <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>: constitui antes sua condição de<br />

possibili<strong>da</strong>de em geral. Se é fato que existe um domínio nos<br />

relacio<strong>na</strong>mentos entre a alma e o corpo no qual causa e efeito,<br />

determinismo e expressão, se entrecruzam ain<strong>da</strong> numa trama tão<br />

cerra<strong>da</strong> que <strong>na</strong> reali<strong>da</strong>de constituem um único e mesmo movimento<br />

que só depois será dissociado; se é fato que antes <strong>da</strong> violência do<br />

corpo e <strong>da</strong> vivaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> alma, antes <strong>da</strong> moleza <strong>da</strong>s fibras e do<br />

relaxamento do espírito existem espécies de a priori qualitativos<br />

ain<strong>da</strong> não divididos que a seguir impõem os mesmos valores ao<br />

orgânico e ao espiritual, compreende-se que possam existir doenças<br />

como a <strong>loucura</strong> que, de saí<strong>da</strong>, são doenças do corpo e <strong>da</strong> alma,<br />

doenças <strong>na</strong>s quais a afecção do cérebro é <strong>da</strong> mesma quali<strong>da</strong>de, <strong>da</strong><br />

mesma origem, <strong>da</strong> mesma <strong>na</strong>tureza, enfim, que a afecção <strong>da</strong> alma.<br />

A possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> <strong>loucura</strong> se oferece no próprio fato <strong>da</strong> paixão.<br />

E ver<strong>da</strong>de que bem antes <strong>da</strong> era <strong>clássica</strong>, e durante uma longa<br />

seqüência de séculos <strong>da</strong> qual sem dúvi<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> não saímos, paixão e<br />

<strong>loucura</strong> foram manti<strong>da</strong>s próximas uma <strong>da</strong> outra. Mas deixemos com o<br />

Classicismo sua origi<strong>na</strong>li<strong>da</strong>de. Os moralistas <strong>da</strong> tradição greco-lati<strong>na</strong><br />

tinham achado justo que a <strong>loucura</strong> fosse o castigo <strong>da</strong> paixão; e a fim<br />

de terem mais certeza disso, gostavam de fazer <strong>da</strong> paixão uma<br />

<strong>loucura</strong> provisória e atenua<strong>da</strong>. Mas a reflexão <strong>clássica</strong> soube definir<br />

42 SAUVAGES, Nosologie méthodique, VIII, p. 291.<br />

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