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A história da loucura na idade clássica

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deriva<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>história</strong>; e, a seguir, porque suas formas são<br />

determi<strong>na</strong><strong>da</strong>s pelas próprias figuras do devir. Relativa ao tempo e<br />

essencial à temporali<strong>da</strong>de do homem: é assim que nos aparece a<br />

<strong>loucura</strong> tal como ela é então reconheci<strong>da</strong> ou pelo menos senti<strong>da</strong>, bem<br />

mais profun<strong>da</strong>mente histórica, no fundo, do que ain<strong>da</strong> o é por nós.<br />

No entanto, essa relação com a <strong>história</strong> logo será esqueci<strong>da</strong>:<br />

Freud, com dificul<strong>da</strong>des e de um modo que talvez não seja radical,<br />

será obrigado a separá-la do evolucionismo. É que no curso do século<br />

XIX ela cairá numa concepção simultaneamente social e moral pela<br />

qual se viu inteiramente traí<strong>da</strong>. A <strong>loucura</strong> não mais será percebi<strong>da</strong><br />

como a contraparti<strong>da</strong> <strong>da</strong> <strong>história</strong>, mas como o outro lado <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de. E <strong>na</strong> própria obra de Morei que se apreende, de modo<br />

mais claro, essa inversão <strong>da</strong> análise histórica em crítica social, que<br />

escorraça a <strong>loucura</strong> do movimento <strong>da</strong> <strong>história</strong> para dela fazer um<br />

obstáculo a seu desenvolvimento feliz e a suas promessas de<br />

reconciliação. A miséria constitui para ele — enquanto no século XVIII<br />

era a riqueza, o progresso — o meio mais favorável à propagação <strong>da</strong><br />

<strong>loucura</strong>: "profissões perigosas ou insalubres, moradias em centros<br />

demasiado populosos ou malsãos", intoxicações diversas:<br />

se se acrescentar a essas más condições gerais a influência profun<strong>da</strong>mente<br />

desmoralizadora que a miséria exerce, bem como a falta de instrução, de<br />

previdência, o abuso <strong>da</strong>s bebi<strong>da</strong>s alcoólicas e os excessos venéreos,<br />

alimentação insuficiente, ter-se-á uma idéia <strong>da</strong>s circunstâncias complexas que<br />

tendem a modificar de maneira desfavorável os temperamentos <strong>da</strong> classe<br />

pobre 63 .<br />

Com isso, a <strong>loucura</strong> escapa ao que pode haver de histórico no<br />

devir humano, para receber um sentido numa moral social: ela se<br />

tor<strong>na</strong> o estigma de uma classe que abandonou as formas <strong>da</strong> ética<br />

burguesa; e no exato momento em que o conceito filosófico de<br />

alie<strong>na</strong>ção adquire uma significação histórica pela análise econômica<br />

do trabalho, nesse mesmo momento o conceito médico e psicológico<br />

de alie<strong>na</strong>ção liberta-se totalmente <strong>da</strong> <strong>história</strong> para tor<strong>na</strong>r-se crítica<br />

moral em nome <strong>da</strong> comprometi<strong>da</strong> salvação <strong>da</strong> espécie. Numa<br />

palavra, o medo <strong>da</strong> <strong>loucura</strong>, que no século XVIII era o temor <strong>da</strong>s<br />

conseqüências de seu próprio devir, aos poucos se transforma no<br />

século XIX, a ponto de ser a obsessão diante <strong>da</strong>s contradições que,<br />

no entanto, são as únicas que podem assegurar a manutenção de<br />

suas estruturas; a <strong>loucura</strong> tornou-se a paradoxal condição <strong>da</strong> duração<br />

<strong>da</strong> ordem burguesa, <strong>da</strong> qual ela constitui, do lado de fora, no<br />

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