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A história da loucura na idade clássica

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do desatino, as que são contemporâneas de Nerval, Nietzsche e<br />

Antonin Artaud. Interrogar o Neveu de Rameau no paradoxo de sua<br />

existência tão evidente e, no entanto, despercebi<strong>da</strong> no século XVIII,<br />

é colocar-se ligeiramente atrás em relação à crônica <strong>da</strong> evolução. Mas<br />

é, ao mesmo tempo, permitir-se perceber, em sua forma geral, as<br />

grandes estruturas do desatino — as que dormitam <strong>na</strong> cultura<br />

ocidental, um pouco abaixo do tempo dos historiadores. E talvez o<br />

Neveu de Rameau nos mostrará rapi<strong>da</strong>mente, através <strong>da</strong>s figuras<br />

abala<strong>da</strong>s de suas contradições, o que existe de mais essencial <strong>na</strong>s<br />

modificações que renovaram a experiência do desatino <strong>na</strong> era<br />

<strong>clássica</strong>. É preciso interrogá-lo como um paradigma abreviado <strong>da</strong><br />

História. E <strong>da</strong>do que, durante a duração de um relâmpago, ele esboça<br />

a grande linha interrompi<strong>da</strong> que vai <strong>da</strong> Nau dos Loucos às últimas<br />

palavras de Nietzsche e talvez até as vociferações de Artaud,<br />

tratemos de saber o que oculta essa perso<strong>na</strong>gem, como se<br />

defrontaram, no texto de Diderot, a razão, a <strong>loucura</strong> e o desatino,<br />

que novas relações se estabeleceram entre eles. A <strong>história</strong> que<br />

teremos de escrever nesta última parte aloja-se no interior do espaço<br />

aberto pela fala do Neveu — mas, evidentemente, ela estará longe de<br />

abranger inteiramente esse espaço. Última perso<strong>na</strong>gem em quem<br />

<strong>loucura</strong> e desatino se reúnem, o Neveu de Rameau é aquele no qual o<br />

momento <strong>da</strong> separação é prefigurado, igualmente. Nos capítulos que<br />

se seguem tentaremos traçar o movimento dessa separação, em seus<br />

primeiros fenômenos antropológicos. Mas é ape<strong>na</strong>s nos últimos textos<br />

de Nietzsche ou em Artaud que ela assumirá, para a cultura<br />

ocidental, suas significações filosóficas e trágicas.<br />

Assim, a perso<strong>na</strong>gem do louco faz seu reaparecimento no Neveu<br />

de Rameau. Um reaparecimento em forma de bufo<strong>na</strong>ria. Como o<br />

bufão <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Média, ele vive em meio às formas <strong>da</strong> razão, um<br />

pouco à margem sem dúvi<strong>da</strong>, uma vez que não é como os outros,<br />

mas integrado nela, no entanto, uma vez que está aí como uma<br />

coisa, à disposição <strong>da</strong>s pessoas razoáveis, proprie<strong>da</strong>de mostra<strong>da</strong> de<br />

um para o outro e transmiti<strong>da</strong> de um para outro. É possuído como<br />

objeto. Mas ele mesmo logo denuncia o equívoco dessa possessão,<br />

pois se para a razão é objeto de apropriação, é porque, para ela,<br />

constitui objeto necessário. Necessi<strong>da</strong>de que atinge o próprio<br />

conteúdo e sentido de sua existência; sem o louco, a razão seria<br />

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