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A história da loucura na idade clássica

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cabeça, reunindo líquidos em virtude <strong>da</strong> posição incli<strong>na</strong><strong>da</strong> <strong>da</strong> cabeça. O<br />

calor <strong>da</strong>s partes faz então com que o líquido se esquente, atingindo a<br />

origem dos nervos... 80<br />

Willis, por sua vez, faz uma crítica minuciosa <strong>da</strong> explicação<br />

uteri<strong>na</strong>: é sobretudo <strong>da</strong>s afecções do cérebro e do gênero nervoso<br />

"que dependem todos os desarranjos e irregulari<strong>da</strong>des que<br />

acontecem aos movimentos do sangue nessa doença" 81 . No entanto,<br />

to<strong>da</strong>s essas análises não aboliram o tema de uma ligação essencial<br />

entre a histeria e a matriz. Mas essa ligação é concebi<strong>da</strong> de outro<br />

modo: não se pensa mais nela como a trajetória de um deslocamento<br />

real através do corpo, mas como uma espécie de propagação abafa<strong>da</strong><br />

através dos caminhos do organismo e <strong>da</strong>s proximi<strong>da</strong>des funcio<strong>na</strong>is.<br />

Não se pode dizer que a sede <strong>da</strong> doença tenha-se tor<strong>na</strong>do o cérebro,<br />

nem que Willis tenha tor<strong>na</strong>do possível uma análise psicológica <strong>da</strong><br />

histeria. Mas o cérebro representa agora o papel de ligação e de<br />

distribuidor de um mal cuja origem é visceral: a matriz lhe dá origem<br />

tal como to<strong>da</strong>s as outras vísceras 82 . Até o fi<strong>na</strong>l do século XVIII, até<br />

Pinel, o útero e a matriz permanecem presentes <strong>na</strong> patologia <strong>da</strong><br />

histeria 83 , porém graças a um privilégio de difusão pelos humores e<br />

pelos nervos, e não por um prestígio particular de sua <strong>na</strong>tureza.<br />

Stahl justifica o paralelismo <strong>da</strong> histeria e <strong>da</strong> hipocondria por uma<br />

curiosa aproximação entre o fluxo menstrual e as hemorrói<strong>da</strong>s. Em<br />

sua análise dos movimentos espasmódicos, ele explica que o mal<br />

histérico é uma dor bastante violenta, "acompanha<strong>da</strong> por tensão e<br />

compressão, que se faz sentir principalmente sob os hipocôndrios".<br />

Atribui-se-lhes o nome de mal hipocondríaco quando ataca os<br />

homens "cuja <strong>na</strong>tureza se esforça por libertar-se do excesso de<br />

sangue através de vômitos ou <strong>da</strong>s hemorrói<strong>da</strong>s"; chama-se mal<br />

histérico quando ataca as mulheres <strong>na</strong>s quais "o curso <strong>da</strong>s regras não<br />

é aquele que devia ser. No entanto, não existe diferença essencial<br />

entre as duas afecções" 84 . A opinião de Hoffmann está bem próxima<br />

desta, apesar de tantas diferenças teóricas. A causa <strong>da</strong> histeria está<br />

<strong>na</strong> matriz — afrouxamento e enfraquecimento — mas a sede do mal<br />

deve ser procura<strong>da</strong>, como no caso <strong>da</strong> hipocondria, no estômago e nos<br />

80 C. PISO, Observationes, 1618, reedita<strong>da</strong>s em 1733 por Boerhaave, sec. II, 1 2,<br />

Cap. VII, p. 144<br />

81 WILLIS «De affectionibus hystericis», Opera, I, p. 635.<br />

82 WILLIS, «De morbis convulsivis», Opera, I, p. 536.<br />

83 Pinel classifica a histeria entre as neuroses <strong>da</strong> geração (Nosographie<br />

philosophique).<br />

84 STAHL, loc. cit., p. 453.<br />

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