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A história da loucura na idade clássica

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se por sua vez terra <strong>na</strong>tal do mal, e doravante vai poder espalhar-se<br />

por si mesma e fazer rei<strong>na</strong>r um outro terror.<br />

Bruscamente, em alguns anos no meio do século XVIII, surge<br />

um medo. Medo que se formula em termos médicos mas que é<br />

animado, no fundo, por todo um mito moral. Assusta-se com um mal<br />

muito misterioso que se espalhava, diz-se, a partir <strong>da</strong>s casas de<br />

inter<strong>na</strong>mento e logo ameaçaria as ci<strong>da</strong>des. Fala-se em febre de<br />

prisão, lembra-se a carroça dos conde<strong>na</strong>dos, esses homens<br />

acorrentados que atravessam as ci<strong>da</strong>des deixando atrás de si uma<br />

esteira do mal. Atribui-se ao escorbuto contágios imaginários, prevêse<br />

que o ar viciado pelo mal corromperá os bairros habitados. E<br />

novamente se impõe a grande imagem do horror medieval, fazendo<br />

surgir, <strong>na</strong>s metáforas do assombro, um segundo pânico. A casa de<br />

inter<strong>na</strong>mento não é mais ape<strong>na</strong>s o leprosário afastado <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des: é<br />

a própria lepra diante <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de:<br />

Úlcera terrível do corpo pqlítico, úlcera grande, profun<strong>da</strong>, purulenta, que só se<br />

pode imagi<strong>na</strong>r desviando-se o olhar. Até no ar do lugar que se sente aqui, a<br />

400 toesas, tudo nos diz que nos aproximamos de um lugar de força, de um<br />

asilo de degra<strong>da</strong>ção e infortúnio 5 .<br />

Muitas dessas casas de inter<strong>na</strong>mento foram construí<strong>da</strong>s lá onde<br />

antes se tinham colocado os leprosos; dir-se-ia que, através dos<br />

séculos, os novos pensionários foram contagiados pelo mal. Eles<br />

reassumem o brasão e o sentido que tinham sido ostentados nesses<br />

mesmos lugares:<br />

Lepra grande demais para a capital! O nome de Bicêtre é uma palavra que<br />

ninguém pode pronunciar sem não sei que sentimento de repugnância, horror<br />

e desprezo... Tornou-se o receptáculo de tudo o que a socie<strong>da</strong>de tem de mais<br />

imundo e mais vil 6 .<br />

O mal que se tinha tentado excluir com o inter<strong>na</strong>mento<br />

reaparece para maior espanto do público, sob um aspecto fantástico.<br />

Vêem-se <strong>na</strong>scer e ramificar em todos os sentidos os temas de um<br />

mal, físico e moral ao mesmo tempo, que envolve, nessa indecisão,<br />

poderes confusos de corrosão e horror. Impera então uma espécie de<br />

imagem indiferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong> "podridão", que diz respeito tanto à<br />

corrupção dos costumes quanto à decomposição <strong>da</strong> carne, e pela qual<br />

irão pautar-se a repugnância e a pie<strong>da</strong>de senti<strong>da</strong>s em relação aos<br />

internos. Antes de mais <strong>na</strong><strong>da</strong>, o mal entra em fermentação nos<br />

5 MERCIER, loc. cit., VIII, p. 1.<br />

6 Idem, p. 2.<br />

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