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A história da loucura na idade clássica

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uma justiça distante fosse compensado pela presença de uma justiça<br />

imediata e ain<strong>da</strong> mais temível: "O curso irresistível de suas idéias<br />

sinistras poderia ser contrabalançado por outra coisa que não um<br />

receio vivo e profundo?" Uma noite, o diretor se apresenta à porta do<br />

doente<br />

com um aparelho que o assustaria, o olhar em fogo, um tom de voz<br />

fulmi<strong>na</strong>nte, um grupo de pessoas do serviço à sua volta, arma<strong>da</strong>s de<br />

grossas correntes que agitavam com muito barulho. Uma sopa é coloca<strong>da</strong><br />

ao lado do alie<strong>na</strong>do, intimado a tomá-la durante a noite se não quiser<br />

sofrer os tratamentos mais cruéis. O alie<strong>na</strong>do é deixado no estado mais<br />

penoso de flutuação entre a idéia <strong>da</strong> punição com a qual é ameaçado e a<br />

perspectiva assustadora dos tormentos <strong>da</strong> outra vi<strong>da</strong>. Após um combate<br />

interior de várias horas, a primeira idéia predomi<strong>na</strong> e ele decide<br />

alimentar-se 62 .<br />

A instância judiciária que é o asilo não reconhece nenhuma outra<br />

instância. Ela julga de imediato, e em grau de último recurso. Possui<br />

seus próprios instrumentos de punição, dos quais se serve à vontade.<br />

O antigo inter<strong>na</strong>mento era praticado freqüentemente fora <strong>da</strong>s formas<br />

jurídicas normais; mas ele imitava os castigos dos conde<strong>na</strong>dos,<br />

usando as mesmas prisões, as mesmas celas, as mesmas sevícias<br />

físicas. A justiça que rei<strong>na</strong> no asilo de Pinel não empresta <strong>da</strong> outra<br />

justiça seus modos de repressão; inventa os seus. Ou, melhor, utiliza<br />

os métodos terapêuticos que haviam sido difundidos no século XVIII,<br />

deles fazendo formas de castigo. E essa conversão <strong>da</strong> medici<strong>na</strong> em<br />

justiça, <strong>da</strong> terapêutica em repressão, não é um dos menores<br />

paradoxos <strong>da</strong> obra "filantrópica" e "libertadora" de Pinel. Na medici<strong>na</strong><br />

<strong>da</strong> época <strong>clássica</strong>, banhos e duchas eram usados como remédios de<br />

acordo com a imagi<strong>na</strong>ção dos médicos sobre a <strong>na</strong>tureza do sistema<br />

nervoso: tratava-se de refrescar o organismo, de distender as fibras<br />

ardentes e resseca<strong>da</strong>s 63 . Ê ver<strong>da</strong>de que se acrescentava também,<br />

entre as conseqüências felizes <strong>da</strong> ducha fria, o efeito psicológico <strong>da</strong><br />

surpresa desagradável, que interrompe o curso <strong>da</strong>s idéias mu<strong>da</strong> a<br />

<strong>na</strong>tureza dos sentimentos; mas aqui, ain<strong>da</strong> estamos <strong>na</strong> paisagem dos<br />

sonhos médicos. Com Pinel, o uso <strong>da</strong> ducha tor<strong>na</strong>-se francamente<br />

judiciário; a ducha é a punição habitual do tribu<strong>na</strong>l de simples polícia<br />

constituído permanentemente no asilo:<br />

Considera<strong>da</strong>s como meio de repressão, freqüentemente elas são o<br />

suficiente para submeter à lei geral de um trabalho manual uma alie<strong>na</strong><strong>da</strong><br />

suscetível dessa ação, a fim de vencer uma recusa obsti<strong>na</strong><strong>da</strong> de<br />

62 PINEL, Traité médico-philosophique, pp. 207-208.<br />

63 Cf. supra, Parte II, Cap. 9.<br />

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