12.04.2013 Views

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O CORPO 121<br />

outro lado, ele descreve muito bem as particulari<strong>da</strong>des <strong>da</strong> perna<br />

fantasma, por exemplo a sua singular motrici<strong>da</strong>de, e, se<br />

ele a trata praticamente como um membro real, é porque,<br />

assim como o sujeito normal, ele não precisa, para pôr-se a<br />

caminho, de uma percepção clara e articula<strong>da</strong> de seu corpo:<br />

basta-lhe tê-lo "à sua disposição" como uma potência indivisa,<br />

e adivinhar a perna fantasma vagamente implica<strong>da</strong> nele.<br />

Portanto, a consciência <strong>da</strong> perna fantasma permanece, ela<br />

também, equívoca. O amputado sente sua perna, assim como<br />

posso sentir vivamente a existência de um amigo que to<strong>da</strong>via<br />

não está diante de mim; ele não a perdeu porque continua<br />

a contar com ela, assim como Proust pode constatar a<br />

morte de sua avó sem perdê-la ain<strong>da</strong>, já que ele a conserva<br />

no horizonte de sua vi<strong>da</strong>. O braço fantasma não é uma representação<br />

do braço, mas a presença ambivalente de um braço.<br />

A recusa <strong>da</strong> mutilação no caso do membro fantasma ou<br />

a recusa <strong>da</strong> deficiência na anosognose não são decisões delibera<strong>da</strong>s,<br />

não se passam no plano <strong>da</strong> consciência tética que<br />

toma posição explicitamente após ter considerado diferentes<br />

possíveis. A vontade de ter um corpo são ou a recusa do corpo<br />

doente não são formula<strong>da</strong>s por eles mesmos, a experiência<br />

do braço amputado como presente ou a do braço doente<br />

como ausente não são <strong>da</strong> ordem do "eu penso que...".<br />

Esse fenômeno, que as explicações fisiológicas e psicológicas<br />

igualmente desfiguram, é compreensível ao contrário<br />

na perspectiva do ser no mundo. Aquilo que em nós recusa<br />

a mutilação e a deficiência é um Eu engajado em um certo<br />

mundo físico e inter-humano, que continua a estender-se para<br />

seu mundo a despeito de deficiências ou de amputações,<br />

e que, nessa medi<strong>da</strong>, não as reconhece de jure. A recusa <strong>da</strong><br />

deficiência é apenas o avesso de nossa inerência a um mundo,<br />

a negação implícita <strong>da</strong>quilo que se opõe ao movimento<br />

natural que nos lança a nossas tarefas, a nossas preocupações,<br />

a nossa situação, a nossos horizontes familiares. Ter um bra-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!