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Fenomenologia da Percepção - Charlezine

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268 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO<br />

zado com um vermelho, se entristece uma boca ou se faz uma<br />

face sorrir." 38 Essa revelação de um sentido imanente ou<br />

nascente no corpo vivo se estende, como o veremos, a todo<br />

o mundo sensível, e nosso olhar, advertido pela experiência<br />

do corpo próprio, reencontrará em todos os outros "objetos"<br />

o milagre <strong>da</strong> expressão. Em Peau de Chagrin, Balzac descreve<br />

"uma toalha de mesa branca como uma cama<strong>da</strong> de neve recentemente<br />

caí<strong>da</strong> e na qual se dispunham simetricamente os<br />

talheres, coroados por pequenos pães dourados". "Durante<br />

to<strong>da</strong> a minha juventude", dizia Cézanne, "eu quis pintar isso,<br />

essa toalha de neve fresca... Agora eu sei que só se deve<br />

querer pintar: se se dispunham simetricamente os talheres e<br />

os pequenos pães dourados e eu os pinto coroados, estou perdido,<br />

você compreende? E, se ver<strong>da</strong>deiramente eu harmonizo<br />

e matizo meus talheres e meus pães como no modelo natural,<br />

esteja certo de que as coroas, a neve e todo o tremor<br />

estarão ali." 39 O problema do mundo, e, para começar, o<br />

do corpo próprio, consiste no fato de que tudo reside ali.<br />

A tradição cartesiana habituou-nos a desprender-nos do<br />

objeto: a atitude reflexiva purifica simultaneamente a noção<br />

comum do corpo e a <strong>da</strong> alma, definindo o corpo como uma<br />

soma de partes sem interior, e a alma como um ser inteiramente<br />

presente a si mesmo, sem distância. Essas definições<br />

correlativas estabelecem a clareza em nós e fora de nós: transparência<br />

de um objeto sem dobras, transparência de um sujeito<br />

que é apenas aquilo que pensa ser. O objeto é objeto<br />

do começo ao fim, e a consciência é consciência do começo<br />

ao fim. Há dois sentidos e apenas dois sentidos <strong>da</strong> palavra<br />

existir: existe-se como coisa ou existe-se como consciência.<br />

A experiência do corpo próprio, ao contrário, revela-nos um<br />

modo de existência ambíguo. Se tento pensá-lo como um conjunto<br />

de processos em terceira pessoa — "visão", "motrici-

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