12.04.2013 Views

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

122 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO<br />

ço fantasma é permanecer aberto a to<strong>da</strong>s as ações <strong>da</strong>s quais<br />

apenas o braço é capaz, é conservar o campo prático que se<br />

tinha antes <strong>da</strong> mutilação. O corpo é o veículo do ser no mundo,<br />

e ter um corpo é, para um ser vivo, juntar-se a um meio<br />

definido, confundir-se com certos projetos e empenhar-se continuamente<br />

neles. Na evidência deste mundo completo em<br />

que ain<strong>da</strong> figuram objetos manejáveis, na força do movimento<br />

que vai em direção a ele, e em que ain<strong>da</strong> figuram o projeto<br />

de escrever ou de tocar piano, o doente encontra a certeza<br />

de sua integri<strong>da</strong>de. Mas, no momento mesmo em que o mundo<br />

lhe mascara sua deficiência, ele não pode deixar de revelála:<br />

pois se é ver<strong>da</strong>de que tenho consciência de meu corpo através<br />

do mundo, que ele é, no centro do mundo, o termo nãopercebido<br />

para o qual todos os objetos voltam a sua face, é<br />

ver<strong>da</strong>de pela mesma razão que meu corpo é o pivô do mundo:<br />

sei que os objetos têm várias faces porque eu poderia fazer<br />

a volta em torno deles, e neste sentido tenho consciência<br />

do mundo por meio de meu corpo. No momento mesmo em<br />

que meu mundo costumeiro suscita em mim intenções habituais,<br />

não posso mais, se sou amputado, juntar-me efetivamente<br />

a ele, os objetos manejáveis, justamente enquanto se<br />

apresentam como manejáveis, interrogam uma mão que não<br />

tenho mais. Assim, no conjunto de meu corpo se delimitam<br />

regiões de silêncio. Portanto, o doente sabe de sua per<strong>da</strong> justamente<br />

enquanto a ignora, e ele a ignora justamente enquanto<br />

a conhece. Esse paradoxo é o de todo ser no mundo: dirigindo-me<br />

para um mundo, esmago minhas intenções perceptivas<br />

e minhas intenções práticas em objetos que finalmente<br />

me aparecem como anteriores e exteriores a elas, e que to<strong>da</strong>via<br />

só existem para mim enquanto suscitam pensamentos e<br />

vontades em mim. No caso que nos ocupa, a ambigüi<strong>da</strong>de<br />

do saber se reduz ao fato de que nosso corpo comporta como<br />

que duas cama<strong>da</strong>s distintas, a do corpo habitual e a do corpo<br />

atual. Na primeira, figuram os gestos de manuseio que desa-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!