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Fenomenologia da Percepção - Charlezine

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o CORPO 209<br />

to poema. Assim como a fala significa não apenas pelas palavras,<br />

mas ain<strong>da</strong> pelo sotaque, pelo tom, pelos gestos e pela<br />

fisionomia, e assim como esse suplemento de sentido revela<br />

não mais os pensamentos <strong>da</strong>quele que fala, mas a fonte de<br />

seus pensamentos e sua maneira de ser fun<strong>da</strong>mental, <strong>da</strong> mesma<br />

maneira a poesia, se por acidente é narrativa e significante,<br />

essencialmente é uma modulação <strong>da</strong> existência. Ela se<br />

distingue do grito porque o grito utiliza nosso corpo tal como<br />

a natureza o deu a nós, quer dizer, pobre em meios de expressão,<br />

enquanto o poema utüiza a linguagem, e mesmo uma<br />

linguagem particular, de forma que a modulação existencial,<br />

em lugar de dissipar-se no instante mesmo em que se exprime,<br />

encontra no aparato poético o meio de eternizar-se. Mas,<br />

se se destaca de nossa gesticulação vital, o poema não se destaca<br />

de todo apoio material, e ele estaria irremediavelmente<br />

perdido se seu texto não fosse exatamente conservado; sua<br />

significação não é livre e não reside no céu <strong>da</strong>s idéias: ela está<br />

encerra<strong>da</strong> entre as palavras em algum papel frágil. Nesse<br />

sentido, como to<strong>da</strong> obra de arte, o poema existe à maneira<br />

de uma coisa e não subsiste eternamente à maneira de uma<br />

ver<strong>da</strong>de. Quanto ao romance, se bem que ele se deixe resumir,<br />

se bem que o "pensamento" do romancista se deixe formular<br />

abstratamente, essa significação nocional é retira<strong>da</strong> de<br />

uma significação mais ampla, como a descrição de uma pessoa<br />

é retira<strong>da</strong> do aspecto concreto de sua fisionomia. O papel<br />

do romancista não é expor idéias ou mesmo analisar caracteres,<br />

mas apresentar um acontecimento inter-humano,<br />

fazê-lo amadurecer e eclodir sem comentário ideológico, a tal<br />

ponto que qualquer mu<strong>da</strong>nça na ordem <strong>da</strong> narrativa ou na<br />

escolha <strong>da</strong>s perspectivas modificaria o sentido romanesco do<br />

acontecimento. Um romance, um poema, um quadro, uma<br />

peça musical são indivíduos, quer dizer, seres em que não<br />

se pode distinguir a expressão do expresso, cujo sentido só<br />

é acessível por um contato direto, e que irradiam sua signifi-

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