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Fenomenologia da Percepção - Charlezine

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O MUNDO PERCEBIDO 457<br />

<strong>da</strong>deiras coisas, como por exemplo de um rato, elas só são<br />

representa<strong>da</strong>s por seu estilo ou por sua fisionomia. Esses fenômenos<br />

desarticulados não admitem entre si elos precisos<br />

de causali<strong>da</strong>de. Sua única relação é uma relação de coexistência<br />

— uma coexistência que para o doente tem sempre um<br />

sentido, porque a consciência do fortuito supõe séries causais<br />

precisas e distintas e porque aqui estamos nos fragmentos de<br />

um mundo arruinado. "O escorrimento do nariz torna-se um<br />

escorrimento particular, o fato de cochilar no metrô adquire<br />

uma significação singular." 81 As alucinações só são liga<strong>da</strong>s<br />

a um certo domínio sensorial enquanto ca<strong>da</strong> campo sensorial<br />

oferece à alteração <strong>da</strong> existência possibili<strong>da</strong>des de expressão<br />

particulares. O esquizofrênico tem sobretudo alucinações auditivas<br />

e táteis porque o mundo <strong>da</strong> audição e do tato, em razão<br />

de sua estrutura natural, pode, melhor que um outro,<br />

representar uma existência possuí<strong>da</strong>, exposta, nivela<strong>da</strong>. O alcoólatra<br />

tem sobretudo alucinações visuais porque a ativi<strong>da</strong>de<br />

delirante encontra na visão a possibili<strong>da</strong>de de evocar um<br />

adversário ou uma tarefa que é preciso enfrentar 82 . O alucinado<br />

não vê, não ouve no sentido normal, ele usa de seus<br />

campos sensoriais e de sua inserção natural em um mundo<br />

para fabricar-se, com os fragmentos deste mundo, um ambiente<br />

factício conforme à intenção total de seu ser.<br />

Mas, se a alucinação não é sensorial, ela é muito menos<br />

ain<strong>da</strong> um juízo, ela não é <strong>da</strong><strong>da</strong> ao sujeito como uma construção,<br />

não toma lugar no "mundo geográfico", quer dizer, no<br />

ser que nós conhecemos e do qual julgamos, no tecido dos<br />

fatos submetidos a leis, mas na "paisagem" 83 individual pela<br />

qual o mundo nos toca e pela qual estamos em comunicação<br />

vital com ele. Uma doente diz que alguém no mercado a<br />

olhou, ela sentiu esse olhar sobre si como um golpe, sem poder<br />

dizer de onde ele vinha. Ela não quer dizer que, no espaço<br />

visível para todos, uma pessoa de carne e osso estava ali<br />

e voltou os olhos em direção a ela — e é por isso que os argu-

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