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Fenomenologia da Percepção - Charlezine

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O CORPO 127<br />

tado podem fazer aparecer o membro fantasma? O braço fantasma<br />

não é uma rememoração, ele é um quase-presente, o<br />

mutilado o sente atualmente dobrado sobre seu peito sem nenhum<br />

índice de passado. Nós não podemos mais supor que<br />

um braço em imagem, errando através <strong>da</strong> consciência, veio<br />

assentar-se no coto: pois então ele não seria um "fantasma",<br />

mas uma percepção renascente. É preciso que o braço fantasma<br />

seja este mesmo braço dilacerado por estilhaços de obus<br />

e cujo invólucro invisível queimou ou apodreceu em algum<br />

lugar, e que vem assombrar o corpo presente sem confundirse<br />

com ele. O braço fantasma é portanto, como a experiência<br />

recalca<strong>da</strong>, um antigo presente que não se decide a tornar-se<br />

passado. As recor<strong>da</strong>ções que se evocam diante do amputado<br />

induzem um membro fantasma, não como no associacionismo<br />

uma imagem chama uma outra imagem, mas porque to<strong>da</strong><br />

recor<strong>da</strong>ção reabre o tempo perdido e nos convi<strong>da</strong> a retomar<br />

a situação que ele evoca. A memória intelectual, no sentido<br />

de Proust, contenta-se em assinalar o passado, um passado<br />

em idéia, ela antes extrai seus "caracteres" ou sua significação<br />

comunicável do que reencontra sua estrutura, mas<br />

enfim ela não seria memória se o objeto que ela constrói não<br />

se prendesse ain<strong>da</strong>, por alguns fios intencionais, ao horizonte<br />

do passado vivido e a este próprio passado tal como nós<br />

o reencontraríamos envere<strong>da</strong>ndo nesses horizontes e reabrindo<br />

o tempo. Da mesma maneira, se se recoloca a emoção no ser<br />

no mundo, compreende-se que ela possa estar na origem do<br />

membro fantasma. Estar emocionado é achar-se engajado em<br />

uma situação que não se consegue enfrentar e que to<strong>da</strong>via<br />

não se quer abandonar. Antes de aceitar o fracasso ou voltar<br />

atrás, o sujeito, nesse impasse existencial, faz voar em pe<strong>da</strong>ços<br />

o mundo objetivo que lhe barra o caminho e procura, em<br />

atos mágicos, uma satisfação simbólica 22 . A ruína do mundo<br />

objetivo, a renúncia à ver<strong>da</strong>deira ação, a fuga no autismo<br />

são condições favoráveis à ilusão dos amputados enquanto esta

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