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Fenomenologia da Percepção - Charlezine

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O MUNDO PERCEBIDO 481<br />

outrem assim como de mim mesmo, amar a outrem como<br />

a mim mesmo. Mas a subjetivi<strong>da</strong>de à qual fomos de encontro<br />

não se deixa chamar de Deus. Se a reflexão me revela a<br />

mim mesmo como sujeito infinito, é preciso reconhecer, pelo<br />

menos a título de aparência, a ignorância em que eu estava<br />

deste eu mais mim mesmo do que eu. Eu o conhecia, dir-se-á,<br />

já que eu percebia a outrem e a mim mesmo e já que esta<br />

percepção só é possível justamente por ele. Mas, se eu já o<br />

conhecia, todos os livros de filosofia são inúteis. Ora, a ver<strong>da</strong>de<br />

precisa ser revela<strong>da</strong>. Portanto, é este eu finito e ignorante<br />

que reconheceu Deus em si mesmo enquanto Deus, no<br />

avesso dos fenômenos, se pensava desde sempre. E por esta<br />

sombra que a luz vã chega a iluminar algo, e por aí é definitivamente<br />

impossível reabsorver a sombra na luz, eu nunca<br />

posso reconhecer-me como Deus sem negar em hipótese aquilo<br />

que quero afirmar em tese. Em Deus eu poderia amar a outrem<br />

como a mim mesmo, mas ain<strong>da</strong> seria preciso que meu<br />

amor por Deus não viesse de mim, e que na ver<strong>da</strong>de ele fosse,<br />

como dizia Spinoza, o amor pelo qual Deus se ama a si<br />

mesmo através de mim. Dessa forma, para terminar, em parte<br />

alguma haveria amor por outrem nem outrem, mas um único<br />

amor por si que se estabeleceria sobre si mesmo para além<br />

de nossas vi<strong>da</strong>s, que não nos concerniria em na<strong>da</strong> e ao qual<br />

nós não poderíamos ter acesso. O movimento de reflexão e<br />

de amor que conduz a Deus torna impossível o Deus ao qual<br />

ele desejaria conduzir.<br />

Portanto, é exatamente ao solipsismo que somos reconduzidos,<br />

e agora o problema aparece em to<strong>da</strong> a sua dificul<strong>da</strong>de.<br />

Não sou Deus, só tenho uma pretensão à divin<strong>da</strong>de.<br />

Escapo a todo engajamento e ultrapasso a outrem enquanto<br />

qualquer situação e qualquer outro devem ser vividos por mim<br />

para, aos meus olhos, serem. E to<strong>da</strong>via, pelo menos à primeira<br />

vista, outrem tem um sentido para mim. Assim como<br />

os deuses do politeísmo, preciso contar com outros deuses,

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