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Fenomenologia da Percepção - Charlezine

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O SER-PARA-SI E O SER-NO-MUNDO 523<br />

idéia começa a existir. Mas se não tivesse havido um homem<br />

com órgãos de fonação ou de articulação e um aparelho para<br />

assoprar, ou pêlo menos com um corpo e a capaci<strong>da</strong>de de<br />

mover-se a si mesmo, não teria havido fala nem idéias. O que<br />

é ver<strong>da</strong>deiro ain<strong>da</strong> é que na fala, melhor que na música ou<br />

na pintura, o pensamento parece poder separar-se de seus instrumentos<br />

materiais e valer eternamente. De certa maneira,<br />

todos os triângulos que existirão pelos acasos <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de<br />

física sempre terão uma soma de ângulos igual a dois retos,<br />

mesmo se os homens tiverem desaprendido a geometria e se<br />

não restar nem mesmo um que a conheça. Mas isso se deve<br />

ao fato de que, nesse caso, a fala se aplica a uma natureza,<br />

enquanto a música e a pintura, assim como a poesia, criam<br />

seu próprio objeto, e, a partir do momento em que são conscientes<br />

de si o bastante, encerram-se delibera<strong>da</strong>mente no mundo<br />

cultural. A fala prosaica e, em particular, a fala científica<br />

são seres culturais que têm a pretensão de traduzir uma ver<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> natureza em si. Sabe-se que não é na<strong>da</strong> disso, e a<br />

crítica moderna <strong>da</strong>s ciências mostrou aquilo que elas têm de<br />

construtivo. Os triângulos "reais", quer dizer, os triângulos<br />

percebidos, não têm necessariamente, por to<strong>da</strong> a eterni<strong>da</strong>de,<br />

uma soma de ângulos igual a dois retos, se é ver<strong>da</strong>de que o<br />

espaço vivido repugna tanto as métricas não-euclidianas quanto<br />

a métrica euclidiana. Assim, não há diferença fun<strong>da</strong>mental<br />

entre os modos de expressão, não se pode atribuir um privilégio<br />

a um deles como se este exprimisse uma ver<strong>da</strong>de em<br />

si. A fala é tão mu<strong>da</strong> quanto a música, a música é tão falante<br />

quanto a fala. Em to<strong>da</strong>s as partes a expressão é criadora e<br />

o expresso é sempre inseparável dela. Não há análise que possa<br />

tornar a linguagem clara e expô-la diante de nós como um<br />

objeto. O ato de fala só é claro para aquele que efetivamente<br />

fala ou escuta, ele se torna obscuro a partir do momento em<br />

que queremos explicitar as razões que nos fizeram compreender<br />

assim e não de outra maneira. Pode-se dizer dele aquilo

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