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Fenomenologia da Percepção - Charlezine

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458 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO<br />

mentos que podemos opor-lhe não a atingem. Não se trata,<br />

para ela, <strong>da</strong>quilo que se passa no mundo objetivo, mas <strong>da</strong>quilo<br />

que ela encontra, <strong>da</strong>quilo que a toca ou a afeta. O alimento<br />

que o alucinado rejeita só está envenenado para ele,<br />

mas irrecusavelmente o está. A alucinação não é uma percepção,<br />

mas ela vale como reali<strong>da</strong>de, só ela conta para o alucinado.<br />

O mundo percebido perdeu sua força expressiva 84 , e<br />

o sistema alucinatório a usurpou. Embora a alucinação não<br />

seja uma percepção, há uma impostura alucinatória e é isso<br />

que não compreenderemos nunca se fizermos <strong>da</strong> alucinação<br />

uma operação intelectual. É preciso que a alucinação, por<br />

mais diferente que ela seja de uma percepção, possa suplantála<br />

e existir para o doente mais do que suas próprias percepções.<br />

Isso só é possível se alucinação e percepção são mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des<br />

de uma única função primordial pela qual dispomos<br />

em torno de nós um ambiente de uma estrutura defini<strong>da</strong>, pela<br />

qual nós nos situamos ora em pleno mundo, ora à margem<br />

do mundo. A existência do doente está descentra<strong>da</strong>, ela não<br />

se consuma mais no comércio com um mundo áspero, resistente<br />

e indócil que nos ignora, ela se esgota na constituição<br />

solitária de um ambiente fictício. Mas essa ficção só pode valer<br />

como reali<strong>da</strong>de porque no sujeito normal a própria reali<strong>da</strong>de é alcança<strong>da</strong><br />

em uma operação análoga. Enquanto tem campos sensoriais<br />

e um corpo, o normal também traz esta feri<strong>da</strong> aberta por onde<br />

pode introduzir-se a ilusão; sua representação do mundo<br />

é vulnerável. Se cremos naquilo que vemos, é antes de qualquer<br />

verificação, e o erro <strong>da</strong>s teorias clássicas <strong>da</strong> percepção<br />

é introduzir, na própria percepção, operações intelectuais e<br />

uma crítica dos testemunhos sensoriais aos quais só recorremos<br />

quando a percepção direta encalha na ambigüi<strong>da</strong>de. No<br />

normal, sem nenhuma verificação expressa, a experiência priva<strong>da</strong><br />

liga-se a si mesma e às experiências alheias, a paisagem<br />

abre-se a um mundo geográfico, ela tende para a plenitude<br />

absoluta. O normal não desfruta a subjetivi<strong>da</strong>de, ele se es-

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