12.04.2013 Views

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O CORPO 251<br />

eu não percebo a cólera ou a ameaça como um fato psíquico<br />

escondido atrás do gesto, leio a cólera no gesto, o gesto não<br />

me faz pensar na cólera, ele é a própria cólera. To<strong>da</strong>via, o sentido<br />

do gesto não é percebido do mesmo modo que, por exemplo,<br />

a cor do tapete. Se ele me fosse <strong>da</strong>do como uma coisa,<br />

não se vê por que minha compreensão dos gestos se limitaria,<br />

na maior parte <strong>da</strong>s vezes, aos gestos humanos. Eu não<br />

"compreendo" a mímica sexual do cão, menos ain<strong>da</strong> a do<br />

besouro ou do louva-a-deus. Não compreendo nem mesmo<br />

a expressão <strong>da</strong>s emoções nos primitivos ou em meios muito<br />

diferentes do meu. Se por acaso acontece que uma criança<br />

testemunhe uma cena sexual, ela pode compreendê-la sem<br />

ter a experiência do desejo e <strong>da</strong>s atitudes corporais que o traduzem,<br />

mas a cena sexual será apenas um espetáculo insólito<br />

e inquietante, ela não terá sentido se a criança ain<strong>da</strong> não<br />

atingiu o grau de maturi<strong>da</strong>de sexual em que esse comportamento<br />

se torna possível para ela. É ver<strong>da</strong>de que freqüentemente<br />

o conhecimento do outro ilumina o conhecimento de<br />

si: o espetáculo exterior revela à criança o sentido de suas próprias<br />

pulsões propondo-lhes uma meta. Mas o exemplo passaria<br />

despercebido se ele não se encontrasse com as possibili<strong>da</strong>des<br />

internas <strong>da</strong> criança. O sentido dos gestos não é <strong>da</strong>do<br />

mas compreendido, quer dizer, retomado por um ato do espectador.<br />

To<strong>da</strong> a dificul<strong>da</strong>de é conceber bem esse ato e não<br />

confundi-lo com uma operação de conhecimento. Obtém-se<br />

a comunicação ou a compreensão dos gestos pela reciproci<strong>da</strong>de<br />

entre minhas intenções e os gestos do outro, entre meus<br />

gestos e intenções legíveis na conduta do outro. Tudo se passa<br />

como se a intenção do outro habitasse meu corpo ou como<br />

se minhas intenções habitassem o seu. O gesto que testemunho<br />

desenha em pontilhado um objeto intencional. Esse objeto<br />

torna-se atual e é plenamente compreendido quando os<br />

poderes de meu corpo se ajustam a ele e o recobrem. O gesto<br />

está diante de mim como uma questão, ele me indica certos

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!