12.04.2013 Views

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

Fenomenologia da Percepção - Charlezine

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

484 FENOMENOLOGIA DA PERCEPÇÃO<br />

Outrem me transforma em objeto e me nega, eu transformo<br />

outrem em objeto e o nego, diz-se. Na reali<strong>da</strong>de, o olhar de<br />

outrem só me transforma em objeto, e meu olhar só o transforma<br />

em objeto se nós dois nos retiramos para o fundo de<br />

nossa natureza pensante, se nó dois olhamos de modo inumano,<br />

se ca<strong>da</strong> um sente suas ações, não retoma<strong>da</strong>s e compreendi<strong>da</strong>s,<br />

mas observa<strong>da</strong>s como as ações de um inseto. E<br />

isso que acontece, por exemplo, quando sou olhado por um<br />

desconhecido. Mas, mesmo agora, a objetivação de ca<strong>da</strong> um<br />

pelo olhar do outro só é senti<strong>da</strong> como penosa porque ela toma<br />

o lugar de uma comunicação possível. O olhar de um cão<br />

sobre mim quase não me incomo<strong>da</strong>. A recusa em comunicarse<br />

ain<strong>da</strong> é um modo de comunicação. A liber<strong>da</strong>de proteiforme,<br />

a natureza pensante, o fundo inalienável, a existência nãoqualifica<strong>da</strong>,<br />

que marcam os limites de to<strong>da</strong> simpatia em mim<br />

e em outrem, suspendem a comunicação, mas não a anulam.<br />

Se lido com um desconhecido que ain<strong>da</strong> não disse uma só palavra,<br />

posso acreditar que ele vive em um outro mundo no<br />

qual minhas ações e meus pensamentos não são dignos de figurar.<br />

Mas que ele diga uma palavra ou apenas faça um gesto<br />

de impaciência, e ele já deixa de me transcender: então<br />

é esta a sua voz, são estes os seus pensamentos, eis portanto<br />

o domínio que eu acreditava inacessível. Ca<strong>da</strong> existência só<br />

transcende definitivamente as outras quando permanece ociosa<br />

e assenta<strong>da</strong> em sua diferença natural. Mesmo a meditação<br />

universal que corta o filósofo de sua nação, de suas amizades,<br />

de seus preconceitos, de seu ser empírico, em uma palavra,<br />

do mundo, e que parece deixá-lo absolutamente só, na<br />

reali<strong>da</strong>de é ato, fala, por conseguinte diálogo. O solipsismo<br />

só seria rigorosamente ver<strong>da</strong>deiro para alguém que conseguisse<br />

constatar tacitamente a sua existência sem ser na<strong>da</strong> e sem<br />

fazer na<strong>da</strong>, o que é impossível, já que existir é ser no mundo.<br />

Em seu retiro reflexivo, o filósofo não pode deixar de arrastar<br />

os outros porque, na obscuri<strong>da</strong>de do mundo, ele apren-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!