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GRECO, Rogério - Curso de Direito Penal Vol. 3

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ArROPRJAÇÃO INDÉBITA CAPÍTULO 14

deixar o patrão no seu local de trabalho. No período entre 9 e 11 horas da manhã,

o agente permanece com o automóvel, no lugar de sua escolha, normalmente

dormindo em seu interior, aguardando o tempo passar, até que volte a refazer

o trajeto, buscando todas as pessoas daquela família. Durante essas duas

horas, o agente, que dirigia um automóvel Mercedez, começa a pensar em suas

dificuldades financeiras e resolve solucionar os seus problemas fugindo com

o veículo para o Paraguai, a fim de vendê-lo. Nesse caso, qual seria o crime

praticado pelo agente? Entendemos, em razão dos dados fornecidos, que teria

ele que responder pelo delito de apropriação indébita, pois detinha a coisa,

exercendo sobre ela, naquele momento, liberdade desvigiada. Também será

parte integrante do raciocínio, para efeitos de reconhecimento da apropriação

indébita, o momento em que surgiu o dolo de ter a coisa para si, o que efetivamente

ocorreu quando o agente já detinha a coisa.

Agora, suponha-se que o agente, já tendo elucubrado o plano criminoso, ou seja,

já com a intenção de levar o carro ao Paraguai a fim de vendê-lo, age normalmente

com seu patrão como se fosse mais um dia comum de trabalho e, depois de deixar

todas as pessoas daquela residência em seus destinos, cumpre o projeto criminoso

e se dirige em direção àquele país, conseguindo, finalmente, vender o automóvel.

Nesse caso, o delito seria, ainda, o de apropriação indébita? A doutrina, de forma

majoritária, entende que não. Isso porque se o dolo surgir antes de o agente ter a

posse ou a detenção da coisa, o delito passa a ser reconhecido como estelionato.

Nesse sentido, afirma Ney Moura Teles:

"Se no momento em que recebe a coisa, a título de posse ou de

detenção, o agente já tinha a intenção de apropriar-se dela, o

crime será o de estelionato, pois terá enganado o proprietário,

iludindo sua boa-fé, para que este lha confiasse. É porque,

nesse caso, seu dolo era já o de tornar-se dono da coisa, antes

de receber sua posse ou detenção, ludibriando a vítima".11

11.3. Apropriação indébita de uso

Da mesma forma como ocorre com a subtração de uso, pode o agente, por

exemplo, não devolver, momentaneamente, a coisa que se encontrava em sua

posse, a fim de usá-la por mais algum tempo.

Nesse caso, não restaria configurado o delito de apropriação indébita, em

virtude da ausência do animus rem sibi habendi, vale dizer, o dolo de se apropriar

da coisa, de tê-la para si como se fosse dono, invertendo o título da posse.

No entanto, devemos considerar, para efeitos de reconhecimento da apropriação

de uso, o princípio da razoabilidade, evitando-se, pois, que a apropriação da coisa

alheia móvel se perpetue no tempo, sob o falso argumento do simples uso.

TELES, Ney Moura. Direito penal, v. 2, p. 430.

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