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GRECO, Rogério - Curso de Direito Penal Vol. 3

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ESTELIONATO CAPÍTULO 17

corrente, resume suas ideias argumentando que a punição do agente que obteve

a vantagem deve ser levada a efeito pelo Direito Penal porque: "a) o autor revela

maior temibilidade, pois, ilude a vítima e lhe causa prejuízo; b) não existe

compensação de condutas no Direito Penal, devendo punir-se o sujeito ativo e,

se for o caso, também a vítima; c) a boa-fé do lesado não constitui elemento do

tipo do crime de estelionato; d) o dolo do agente não pode ser eliminado apenas

porque houve má-fé, pois a consciência e vontade finalística de quem realiza a

conduta independe da intenção da vítima".24

Deve-se frisar, no entanto, que nem sempre que a vítima quiser "levar

vantagem" sobre o agente, profissional do crime e, com isso, vier a ser

prejudicada, o fato poderá ser considerado hipótese de torpeza bilateral.

Imagine-se o exemplo daquele que, afirmando morar em uma cidade distante

da capital, aborda a vítima trazendo consigo um bilhete que dizia estar premiado.

Sob o argumento de que não poderia esperar a abertura da instituição bancária

responsável pelo pagamento do prêmio, pois deveria viajar imediatamente,

estando, inclusive, com sua passagem já comprada, indaga se a vítima quer

comprá-lo por um preço inferior ao que seria efetivamente pago. Buscando o

lucro fácil, a vítima, supondo estar aproveitando "uma oportunidade", anui ao

pedido e compra o bilhete fa lso. Nesse caso, não vemos torpeza na conduta da

vítima, a ponto de afastar-lhe a proteção do Direito Penal. Havia, sim, é obvio,

a intenção de lucrar em virtude da suposta necessidade pela qual passava o

estelionatário. Não houve, aqui, qualquer comportamento ilícito, razão pela qual,

embora almejando o lucro fácil, estaria afastada a torpeza bilateral, permitindo­

-se a punição do agente pelo crime de estelionato.

Ao contrário, imagine-se alguém sendo julgado pelo delito de estelionato

porque a vítima havia sido por ele enganada, pagando por uma remessa de

substâncias entorpecentes que nunca chegou. Seria um absurdo jurídico, com a

devida venia das posições em contrário.

Embora o Código Civil englobe a finalidade imoral do agente como impeditiva

da repetição, entendemos que a torpeza bilateral somente se aplica aos atos

considerados ilícitos. Assim, por exemplo, se o agente contrata os serviços

de uma prostituta e, depois do ato sexual, confessa que não possui condições

financeiras para pagar-lhe, como a prostituição em si pode ser considerada

um comportamento lícito, isto é, que não contraria o ordenamento jurídico­

-penal, entendemos ser possível, aqui, a sua punição pelo crime de estelionato,

ao contrário, como vimos, daquele que paga por uma remessa de substância

entorpecente, que nunca chegará, pois, se efetivamente recebesse a "mercadoria",

estaria praticando um comportamento penalmente ilícito.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, v. 2, p. 477-478.

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